http://snpcultura.org/sagrado_na_arte_ineliminavel.htmlO diretor dos Museus do Vaticano, Antonio Paolucci, considera que o sagrado nunca deixou de estar presente no Ocidente, em particular entre os séculos XIX e XX, durante as horas mais negras para o ser humano, na injustiça, na guerra e na morte.
«Está na natureza da arte uma dimensão sagrada ineliminável, enquanto ela é por vocação chamada a abrir ao mistério, a anelar uma redenção, mesmo no momento da denúncia radical», escreve, citando João Paulo II, o cardeal de Florença, Giuseppe Betori», recorda o responsável em texto publicado esta sexta-feira no jornal do Vaticano.
O artigo no "L'Osservatore Romano" é suscitado pela exposição "Beleza divina entre Van Gogh, Chagall e Fontana", que decorre de 24 de setembro a 24 de janeiro, em Florença, cidade que acolherá o papa Francisco em novembro, por ocasião do Congresso Eclesial Nacional.
A seleção e a organização da centena de obras-primas reunidas na mostra, criadas entre a segunda metade do século XIX e 1950, torna patente que «a persistência» e a «imanência do sagrado nunca abandonaram o Ocidente», sustenta Antonio Paolucci.
«Nunca o abandonaram nas estações dos nacionalismos e das guerras, das revoluções e das repressões, dos fascismos e dos comunismos, do ateísmo e do secularismo. A dor e o desejo de redenção, o medo e a esperança, a radical denúncia e a expectativa de um mundo melhor habitaram as formas artísticas da modernidade», assinala.
O proletariado rural da Europa que vivia em condições miseráveis, no século XIX «dos socialismos e da encíclica "Rerum novarum"» vai encontrar «o seu resgate no "Angelus" de Millet», enquanto que a «negra Alemanha é significada no "Caminho para o Calvário" de Otto Dix, e é como de Grünewald de Isenheim tivesse escolhido testemunhar a pátria devastada pelos bombardeamentos aéreos e humilhada pelos horrores do nazismo».
«Na "Deposição" de Van Gogh, emprestada pelos Museus do Vaticano, a angústia e a dor do artista fazem a angústia e a dor de todos os homens, ao passo que a memória de Picasso e de "Guernica" vive, nos anos de 1940-41, na célebre "Crucificação" de Guttuso».
Para Paolucci, «há uma pintura, na exposição, que talvez ainda mais do que "Guernica", pode ser assumida como emblema do século XX. É a "Crucificação branca", de Chagall, que vem do Art Institute de Chicago».
«Estamos em 1938, um ano após "Guernica". Na Alemanha aconteceu a aconteceu a "Noite dos Cristais", iniciando-se a perseguição nazista anti-semita com a diáspora da população israelita. Marc Chagall é judeu mas sabe que para todos, no mundo, o Cristo crucificado quer dizer dores atrozes e sofrimento injusto. Por isso, como um pintor católico, desenha um Cristo na cruz com títulos em latim e em hebraico».
Em torno de Cristo «reina a devastação: a "menorah" aos pés da cruz, as casas revolvidas, a sinagoga saqueada, pessoas em fuga, uma mãe em primeiro plano com uma criança apertada junto ao peito. No fundo, sobre a esquerda, esvoaçam as bandeiras vermelhas de outubro; esperança vã, porque um ano depois, em 1939, Hitler e Estaline assinarão o famigerado pacto de não agressão. Síntese mais exemplar e mais terrível da história da Europa na véspera da última guerra não poderia dar-se».
O responsável nomeia outros autores e obras presentes na exposição, como Gustave Moreau, Casorati, Edward Munch, Gino Severini, Maurice Denis, Matisse, Lucio Fontana e a sua "Via crucis".
A pintura realista, o Divisionismo, o Simbolismo, o Expressionismo e o Futurismo são algumas das escolas convocadas na exposição, «que analisa e contextualiza um século de arte sacra moderna, sublinhando atualizações, tendências várias e por vezes conflitos na relação entre arte e sentimento do sagrado», lê-se na página da iniciativa.