domingo, 26 de abril de 2015

Entrevista com Lia Kohrs - dançarina de Odissi

Entrevista com Lia Kohrs - dançarina de Odissi



        Após alguns meses de visita ao Brasil, Lia retornou à India para mais um ano inteiro de estudos.  Antes de partir, compartilhou conosco sua sabedoria e doçura.


Onde você nasceu e se criou? 
Nasci no Japão e lá me criei, na cidade de Tokyo.


O que a atraiu para a cultura Indiana?
Não consegui até hoje encontrar uma “razão” propriamente dita, acredito até que na minha vida passada nasci indiana, tão forte é o vínculo que sinto com a cultura.

Quando começou a aprender Odissi? E por que escolheu este estilo dentre os Clássicos de Dança Indiana?
Em 2009.  A tradicional arte marcial indiana, “Kalarippayat” me inspirou para este estilo de dança.
Antes treinei Bharata Natyam por seis anos; no Japão por dois anos, seguidos de dois na Alemanha e dois na India.
Estive em Rishkesh no ano de 1998 por seis meses praticando Yoga todos os dias.  Ao retornar para o Japão encontrei um professor de Yoga somente satisfatório, o que me fez com que  procurasse um contato maior com a cultura Indiana.
Foi em 1999 que comecei a treinar a dança no estilo Bharata Natyam que é  significativo em Tokyo.
Quando na India, estudei também “Kalamkari”, pintura tradicional de Andhra Pradesh assim como o instrumento clássico “Pakhawaj” em Chennai.


Por favor fale-nos  sobre o estilo Odissi; sua complexidade, história e principais características.
È uma arte com base no tratado de ‘Natya Shastra’, os conceitos de Odissi não diferem do Bharata Natyam mas culturalmente pode-se dizer que sim,  são diferentes.  Se compararmos as duas regiões  que emergiram estes estilos por exemplo, vemos que em Karnataka e Tamil Nadu, berços do Bharata Natyam as pessoas parecem ser mais rajásicas, expressam mais facilmente seus sentimentos e desconfortos, enquanto que em Orissa, berço do Odissi é facil perceber reações  opostas. A dança reflete isso. Pessoalmente, por ter vindo de uma cultura reservada como é a japonesa, encontrei o equivalente no Odissi, optando por deixar de treinar Bharata Natyam.
No Universo do Bharata Natyam tivemos Rukmini Devi, fundadora de Kalakshetra, responsável desde a década de trinta e quarenta por preservar a dança que havia se perdido e trazê-la  à modernidade sem perder seus fundamentos tradicionais. Infelizmente no Odissi não temos alguém deste porte. Este estilo pode se perder ao longo dos séculos. È preciso que os dançarinos comprometidos façam de tudo para preservá-lo na sua forma mais pura.
Quanto a suas  características, seu treinamento  baseia-se nas posições ‘Chowk’ e ‘Tribhanga’; 10 exercícios  em cada posição. Os aspectos ‘Tandava’ e ‘Lasya’ – masculino e feminino, respectivamente – devem ser combinados, em harmonia. Cada uma das posturas em Odissi é como uma estátua de Deus num templo, o reflexo do Divino.


Quem são seus gurus? E qual o estilo de Odissi que aprende?
Judhistir Nayak, Lingaraj Suwain e Bichitrananda Swain.
Treino o estilo Kelucharan Mahapatra. 

Você está frequentemente viajando à India para aprimorar seu aprendizado.  Ao seu ver, quais seriam as diferenças  entre a dança clássica apresentada  na India em comparação com a dança que você viu fora da India?
Sinto que dentro da India os mestres sentem-se mais pressionados e experienciam  pouca flexibilidade até para tentar um estilo diferente do qual escolheram aprimorar-se.
Já fora da India, lembrando especialmente meu contato com mestres na Alemanha, eles sentem-se mais relaxados, de um jeito divertido.
A dança, sem dúvida acaba refletindo isso.


O que mais a atrai na forma tradicional de aprendizado ? 
Os mestres são muito pacientes para demonstrar os movimentos e o fazem muitas vezes. E como estes movimentos são únicos e  devem ser executados daquela forma em particular o aluno se sente confortável e seguro para aprender.
A tradição deve ser respeitada até na forma de nos prepararmos para a aula. Tive uma mestre de Bharata Natyam  que dizia que a forma como o aluno chega para a aula, vestido em seu sári é a forma como tem a dança dentro de si mesmo.  Se o veste bem, com respeito, assim é sua prática.


Conte-nos alguns dos momentos mais memoráveis que vivenciou na India.
Relacionado a dança diria que foi no aprendizado de ’abhinaya’, o momento teatral da dança, sua expressão devocional. O dançarino  por expressar uma Arte visual,  naturalmente se preocupa como sua imagem chega ao olho do espectador, ele quer aparecer bem.  Minha Guru enfatizava que o dançarino deve ouvir seu coração, representar  sem se importar em absoluto com sua própria aparência. Este aprendizado foi muito difícil, mas essencial.
Em relação a vida na India, nunca carrego relógio. Nem agora, estou com um! Há sempre alguém dentro de mim avisando-me do tempo. Houve um episódio em Tirunammavalai que um motorista do riquixá, preocupado com minha perda do ônibus o perseguiu até que este parasse para que pudesse embarcar!



Quais são seus planos para o futuro? Planeja começar uma escola de dança em seu país?
Tenho como missão disseminar a tradição Indiana.

Quais são os pré-requisitos para alguém que queira adentrar-se na tradição da Dança Indiana?
Aprender seus ritmos, como também  tocar os instrumentos clássicos  e  cantar.
Acima de tudo: dedicação, incondicionalmente.

Onde se leva a dança clássica? Para qual platéia?
Ao meu ver, a platéia não importa. O dançarino faz para Deus e Ele estará onde você estiver.



Tradução e Revisão: Ana Cláudia Silvestre
http://dancaindianabrasil.blogspot.com.br/2011/11/entrevista-com-lia-kohrs-dancarina-de.html