sábado, 26 de abril de 2014

Abril e a liberdade religiosa


Esther Mucznik

O que trouxe Abril de novo, do ponto de vista da liberdade religiosa? A mudança está contida numa única palavra: reconhecimento.

Trouxe o 25 de Abril a liberdade religiosa? Se limitarmos a liberdade religiosa à liberdade de culto, a resposta é não. Como forma de possibilidade individual de professar a religião da sua escolha, a liberdade de culto existia antes do 25 de Abril e até, embora com sérias reservas, antes mesmo da revolução republicana. No século XIX, com o liberalismo e a extinção da Inquisição, os fiéis não-católicos passam a ter a possibilidade de praticar a sua religião.
As limitações são, no entanto, importantes: a prática do culto não-católico é apenas reconhecido aos estrangeiros e o seu exercício obrigatoriamente privado, sem expressão pública, incluindo a visibilidade dos seus templos. Trata-se assim de “tolerância”, não de liberdade: a religião católica é a religião do reino e os súbditos nacionais não têm outra opção. No entanto, e encarando a liberdade, e em particular a religiosa, como um processo sempre em movimento, o avanço é significativo: no caso concreto do judaísmo, embora considerados como uma “colónia” estrangeira sem reconhecimento legal, os judeus frequentam os seus espaços de culto privados, enterram os seus mortos segundo o ritual judaico, praticam livremente a beneficência judaica em organizações cujos estatutos são aceites.
A República vai mais longe. A Lei da Separação da Igreja do Estado, de 20 de Abril de 1911, confere a personalidade jurídica às confissões não-católicas e permite a visibilidade pública dos seus templos. Trata-se, sem dúvida, de um avanço significativo para as confissões não-católicas. No entanto, não podemos ainda falar de liberdade religiosa: em primeiro lugar, porque, decalcada do modelo da lei francesa de 1905, é visceralmente uma lei anticlerical e, em segundo, lugar porque as confissões não-católicas são reconhecidas apenas sob a forma de associações privadas cultuais, não como confissões religiosas, o que, na verdade, camufla a sua verdadeira natureza sociológica. Assim, os estatutos da Comunidade Israelita de Lisboa são reconhecidos a 23 de Julho de 1912, por alvará do governo civil, como “Associação de culto israelita, beneficência e instrução, denominada Comunidade Israelita de Lisboa”.
O Estado Novo consagra a liberdade de culto na Constituição de 1933, mas as comunidades não-católicas permanecem corpos estranhos à sociedade. Não fazem parte da nação portuguesa. Sem ser religião oficial do Estado, a Igreja Católica é, de facto, a única religião reconhecida e legitimada. Individualmente, os não-católicos têm os mesmos direitos como cidadãos nacionais, mas a expressão pública e colectiva da sua prática religiosa não existe, o low profile é a regra, e nada está previsto na legislação que tenha em conta as suas particularidades religiosas: o reconhecimento destas depende da boa vontade dos interlocutores do momento. Exemplificando de novo com a comunidade judaica, a possibilidade de não trabalhar ou fazer exames ao sábado ou durante as festividades religiosas dependia de uma negociação entre as partes, sem nunca ser reconhecida na lei. Da mesma forma, o ensino da religião nas escolas públicas ou a isenção de impostos eram benefícios exclusivos da Igreja Católica e o regime jurídico determinado pelo código civil continuava a não reconhecer a natureza religiosa das confissões não-católicas. Apesar disto, é preciso dizer com clareza: durante a ditadura salazarista a liberdade de culto privado nunca esteve em causa.
Então o que trouxe Abril de novo, do ponto de vista da liberdade religiosa? A mudança está contida numa única palavra: reconhecimento. E sem reconhecimento não se pode falar em liberdade, porque esta não se restringe a tolerar a existência privada de um culto “outro”. O reconhecimento implica aceitar como igual o que é diferente: igual em direitos, igual em deveres, igual em oportunidades; implica viver a diferença como natural, a diversidade como fazendo parte intrínseca das sociedades, e a tensão daí decorrente como um elemento criativo. A homogeneidade, o nivelamento, a negação da diversidade são sempre factores de empobrecimento, nomeadamente quando forçados. São contra a própria corrente da vida.
A mudança aberta com a revolução de Abril não se fez de repente, mas muito progressivamente, e está longe de estar terminada. O principal factor de mudança foi, como não podia deixar de ser, a instauração da democracia e da liberdade política. O fim da guerra colonial e a implantação de novas minorias étnicas e religiosas em território português, a abertura do país ao mundo e sobretudo a liberdade de pensamento, de expressão e de circulação de ideias, fazem surgir uma nova atitude face à diversidade religiosa e cultural. Portugal, hoje, é uma sociedade onde coexistem diversas minorias religiosas com uma prática aberta, expressão colectiva e visibilidade pública e estes elementos são determinantes na integração social dos seus fiéis. No fundo, quanto maior for a aceitação da diferença, mais fácil é o processo de integração.
http://www.publico.pt/portugal/noticia/abril-e-a-liberdade-religiosa-1633309

FE-Brasil: nota de apoio aos Tupinambá


Recebemos com grande preocupação a notícia da prisão pela Policia Federal neste dia 23 de abril, de Rosivaldo Ferreira dos Santos, cacique do Povo Tupinambá da Serra do Padeiro, sul da Bahia.
 
Babau, como é mais conhecido, é uma das principais lideranças indígenas do Brasil e sua forte e contundente atuação na defesa do território de seu povo no sul da Bahia vem, há alguns anos, gerando uma série de perseguições e ameaças de morte, perpetradas por fazendeiros e lideranças políticas da região, com forte conivência de outros poderes locais, incluindo o judiciário e as polícias.
 
Alguns meios de comunicação de massa também têm contribuído para aumentar a onda de perseguição aos Tupinambá, criminalizando o direito legítimo desse povo ao seu território ao associar a luta política de sua principal liderança ao banditismo e à violência.
 
Babau estava com viagem marcada a Roma na quarta-feira, 23/04 para uma audiência com o papa Francisco, no qual entregaria documento relatando o martírio que seu povo vem sofrendo na luta legítima pelo direito ao seu território e à sua cultura. Segundo nota do CIMI, o passaporte de Babau foi suspenso pela Polícia Federal, menos de 24 horas depois de emitido, por quatro mandados de prisão: três arquivados em 2010 e outro da Justiça Estadual de Una acusando-o de participação no assassinato de um pequeno agricultor. O inquérito que levou ao mandado de prisão contra Babau e outras lideranças Tupinambá foi realizado em apenas dez dias, tem depoimentos sem o contraditório e uma série de outras fragilidades jurídicas.  A prisão se deu durante audiência unificada das comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, da qual participava, no Congresso Nacional, em Brasília (DF) e foi decretada pela Vara Criminal da Justiça Estadual de Una, município baiano.
 
“Tiraram nós do nosso território e agora continuamos no mesmo impasse. Estão querendo nos matar. Querendo, não, estão nos matando. Quero que este parlamento ou nos mate de uma vez ou faça alguma coisa” disse Babau ao chegar à Câmara dos Deputados, segundo nota do CIMI.
 
Essa luta de Babau e de seu povo se insere num contexto de violações e profundo desrespeito aos povos indígenas de todo o Brasil e ao seu modo de viver, cada vez mais encurralados por um modelo perverso de desenvolvimento. Grandes projetos governamentais e privados, expansão do agronegócio e mineradoras sobre territórios imemorialmente habitados por esses povos e outras populações tradicionais são a expressão mais evidente desse modelo.
 
Nós, organizações ecumênicas e igrejas cristãs reunidas no Fórum Ecumênico Brasil, manifestamos nossa total solidariedade e apoio ao Cacique Babau e demais lideranças indígenas injustamente processadas nesse inquérito. Afirmamos, com a mesma veemência do cacique, que os direitos dos povos indígenas de todo o Brasil estão sendo violados por essa absurda perseguição e truculência que vem sendo cometida contra os Tupinambá há muito tempo. Nos causa também preocupação o risco pela integridade física de Babau caso ele seja transferido para uma prisão na região sul da Bahia.
 
Clamamos a autoridades estaduais e federais, especialmente o Ministério da Justiça para que intervenha de forma a preservar a vida e a segurança das lideranças indígenas envolvidas nesse inquérito, relaxamento das prisões e agilização do processo para assegurar definitivamente o território aos Tupinambá, restituindo a paz na região. 
 
Brasília, abril de 2014
 
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Conselho Latino-americano de Igrejas do Brasil – CLAI Brasil
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil 
Igreja Presbiteriana Unida do Brasil
Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
Igreja Ortodoxa Siriana
Igreja Católica Apostólica Romana
Aliança de Batistas do Brasil
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
Fundação Luterana de Diaconia - FLD
KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço
Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra - CEDITER
Centro Ecumênico de Serviço à Evangelização e Educação Popular - CESEEP
Centro Ecumênico de Evangelização, capacitação e Assessoria - CECA
Cento de Estudos Bíblicos - CEBI
DIACONIA
Universidade Popular - UNIPOP
Comissão Ecumênica de Combate ao Racismo - CENACORA
Dia Mundial de Oração
Associação de Seminários Teológicos - ASTE
Programa de Formação e Educação Comunitária – PROFEC
 
Obs.: O FE-Brasil é um Fórum Ecumênico composto por igrejas, conselhos de igrejas e organizações ecumênicas, que busca fortalecer o campo ecumênico, ao promover ações que favoreçam o diálogo entre culturas e promova a justiça, a paz e o equilíbrio ambiental.

CESEEP promove curso de ecumenismo e diálogo inter-religioso


Entre os dias 13 e 27 de julho o CESEEP - Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular promove o curso de ecumenismo e diálogo inter-religioso com o tema “Violência: Desafio às Religiões na Construção da Justiça e da Paz. Abaixo, confira a apresentação do curso.
 
Apresentação
 
Aspecto preocupante da atualidade são formas estruturais de violência atreladas a injustiças econômicas e sociais, que atingem a sociedade toda, mas particularmente os mais vulneráveis: crianças, mulheres, jovens, idosos, desempregados. O tráfico e o consumo de drogas agravam esse quadro no quotidiano das famílias e da juventude.
 
Encontrar mecanismos e alternativas para a sua superação não é tarefa apenas do Estado, mas de todas as pessoas, de organismos da sociedade civil e especialmente das igrejas cristãs e das religiões.
 
O grande desafio é, portanto o da superação da violência pela de uma sociedade fundada na justiça, na igualdade e na solidariedade.
 
As igrejas cristãs e as religiões são desafiadas a apresentar a sua contribuição nessa luta contra a violência e contra a injustiça.
 
A mensagem evangélica de amor, justiça e fraternidade exige uma atitude de denúncia das injustiças sociais e dos mecanismos da violência, mas também de anúncio de propostas e ações que venham a contribuir para a melhoria de vida das pessoas e transformação da sociedade na direção da justiça e da paz. 
 
 Muitas experiências revelam que a sociedade civil organizada, com a participação das igrejas e religiões, pode encontrar caminhos que levem às mudanças desejadas.
 
O tema do Curso de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso de 2014 - Violência: desafio às religiões na construção da justiça e da paz - oferece a possibilidade de se refletir sobre essa realidade, com aprofundamento teórico acompanhado de contato com iniciativas e práticas significativas das igrejas e religiões nesse âmbito. O Curso é organizado pelo CESEEP em parceria com o MOFIC, CLAI, KOINONIA e com o apoio do CONIC.
 
Oferece um espaço de rica convivência entre pessoas de diferentes igrejas e religiões, momentos de espiritualidade e festa e intenso programa de visitas a comunidades religiosas e a iniciativas em favor da paz.
 
Assessores e conteúdo 
 
- Panorama mundial das religiões e de sua evolução recente. Pe. Dr. José Oscar Beozzo.
 
- Religiões indígenas: A violência contra os povos indígenas e suas formas de resistência. Dr. Prof. Benedito Prezia e Profª Luciana Galante.
 
- Religiões de matriz africana: A violência social e religiosa contra as religiões de matriz africana e sua luta por respeito e igualdade. Dr. Prof. Ruy Póvoas.
 
- Umbanda: Panorama histórico. A violência contra os templos e pessoas que praticam a Umbanda e seu empenho contra a discriminação religiosa e social. Mãe Rita de Cássia.
 
- Budismo: panorama histórico. Ações do budismo em favor da justiça e da paz. Monja Coen.
 
 - O Judaísmo frente à violência antissemita. Sua contribuição ética e social para a construção da justiça e da paz. Rabino Alexandre Leone.
 
- Hinduísmo: Panorama Histórico. Ações do hinduísmo vedanta em prol da justiça e da paz. Shankara Brahmachari Sadanandachaitanya.
 
- A violência doméstica e as religiões. Dra. Ivone Gebara.
 
- Espiritualidade do cotidiano no combate e superação da violência. Dr. Faustino Teixeira.
 
Veja o cartaz do curso: