quarta-feira, 30 de julho de 2014

O difícil exercício de se colocar no lugar do outro.

Meu marido diz  que adoro ouvir a conversa dos outros. Não é bem assim; não fico ouvindo atrás das portas ou nas extensões dos telefones. É bem assim; não consigo deixar de ouvir as conversas quando estamos em locais públicos. Sempre dá pano pra manga.

Na semana passada, por exemplo, enquanto estava numa recepção da ala de consultórios do Hospital San Rafael, acabei ouvindo duas mulheres que estavam na fileira atrás de mim. Nessa tarde parece que muitos médicos atrasaram. Pelo menos estavam a minha e a delas - que não eram a mesma. Uma dessas mulheres reclama sem parar de que a médica - uma ginecologista - leva mais de meia hora no atendimento do paciente.

"_ Dá vontade de bater na porta...", diz.

Menos de um minutos depois ela dispara: " Dá vontade de ir embora, não vou mentir."

E o papo de críticas e lamentações prossegue enquanto o painel vai apitando e mudando os números das senhas, sempre na tônica de que cada consulta da tal médica é muito longa. Sinto vontade de olhar pra trás e perguntar se elas gostam dos médicos que fazem as consultas do tipo INSS (hoje SUS), que não levam nem cinco minutos e o paciente nem é examinado. Como nem sempre sou "abelhuda" e não estava disposta a ver um papo render, fiquei na minha e resolvi falar sobre isso aqui com vocês.

Segundo o censo de 2010 do IBGE, pelo menos 1,69 bilhão de pessoas se dizem cristãos (Católicos, evangélicos e espíritas, pelo menos) no Brasil. Acho que você sabe que o termo "cristão" se deu a quem seguia os ensinamentos de Jesus Cristo, né? Mas, porque será que a maioria não tenta seguir uma das orientações deixadas pelo líder Jesus Cristo, que está na Bíblia, que é "Amar o próximo como a si mesmo" ou trocado em miúdos, não deseje para o próximo o que não deseja para si mesmo.

No trânsito, é cada vez mais comum os motoristas que querem sempre passar na frente do “otário” que respeita o sinal, embora não dêem passagem pra ninguém quando estão na frente.


No banco, as pessoas pedem, descaradamente, para que um conhecido que está mais na frente na fila pague as suas contas ou façam o seu depósito; acham o máximo serem fantasmas da fila.

No médico, todo mundo quer ter um atendimento detalhado, com atenção e dedicação, mas reclama  se o médico está demorando um pouco mais com outro paciente, como no caso das mulheres da sala de espera.
Nesta e noutras situações cotidianas, as pessoas sempre agem de um jitó quando é consigo e de outro quando é com outro alguém.

Por que temos que dificultar tanto a vida? Por que não tentamos, pelo menos, nos colocar no lugar do outro? Acredito que assim teríamos menos conflitos no trânsito, nas filas de banco e nas recepções dos consultórios.

Do meu lado, procuro fazer a minha parte. Se o meu médico está com um paciente, não reclamo. Na minha vez gosto de tudo explicadinho e isso leva tempo. No banco, evito pedir favores a quem já está na fila. No trânsito, procuro respeitar as regras. Agora, se o pedido de passagem é pra dar “roubadinhas” em áreas de conversão proibida, não conte comigo. Se eu posso respeitar as regras, você também pode e deve.

Pelo que vemos, não é fácil se colocar no lugar do outro. Você tenta?
 

Pequeno Ensaio sobre Alteridade e Singularidade

sobre Alteridade e Singularidade



Alteridade significa entender que uma pessoa é constituída ou intermediada a partir da história do outro. Para entrar nesse campo se faz necessário compreender o conceito de singularidade. Singularidade vem da palavra “singular”, que significa “o que é único”, em contraposição ao que é plural. 

Respeitar a singularidade do outro começa pela compreensão de que cada indivíduo tem a sua percepção própria de vivenciar seus desejos, que passa, automaticamente, pelo reconhecimento de que cada ser humano tem seu estilo ou ritmo peculiar de existência. Cada indivíduo tem a sua marca sentimental indelével, impossível de ser duplicada no outro.

A Alteridade pressupõe o diálogo com o outro (diferente), sem que haja a possibilidade de um transformar o outro. A percepção de que a homogeneização dos indivíduos em seu modo de pensar possa ser alcançada é o estopim de todo mal estar na civilização, e das intermináveis, infrutíferas e utópicas missões em prol de um só tipo de rebanho e um só tipo de pastor.

A própria Torah adverte que não se deve afligir ou constranger o estrangeiro (Êxodo 23:9). Não constranger implica em respeitar a individualidade, acolhendo e não repelindo a singularidade dos desejos e sentimentos do seu oposto. Aniquilo psicologicamente o outro quando apresento a minha experiência histórica como a única verdadeira a ser seguida.

O filósofo, Derrida, em seu estudo sobre a “diffèrance” questiona a auto-suficiência do discurso de um só caminho, convocando a nos deter sobre a ambiguidade dos signos dentro de cada ser, evidenciando, com isso, que não há representação auto-suficiente ou mais verdadeira que a do outro.

A repressão da universalidade, simbolizada na psicologia pelo arquétipo patriarcal, deu lugar à expressão da criatividade interior que leva em conta a singularidade do sujeito. Segundo Jung, “é a consciência da alteridade que deixa acontecer as polaridades do “eu” dialeticamente com as polaridades do outro”.

Alteridade, enfim, significa acolher o outro em sua diferença. E isso só se consegue entendendo que a singularidade ― que diz respeito à experiência particular do sujeito com os seus desejos ―, é única e não se repete com as mesmas nuances, no outro.

Entre as várias lições tiradas do mito de “Caim e Abel”, aprendemos, também, a de que não se deve oprimir o estrangeiro, que por sua estranheza é marginalizado.

Estamos, de certa forma, sentenciados a dialogar com as nossas estranhezas refletidas em cada encontro que entabulamos com o outro. O mito de “Caim e Abel”, que poderia ser denominada de “Parábola do Avesso da Alteridade”, quer mostrar, sobretudo, a percepção de que existe um “Eu” e um “TU” igualmente pessoais e ao mesmo tempo distintos em suas subjetividades. Nesse caso, a alteridade nada mais seria que olhar um pouco de si com os olhos do outro. Apesar de reconhecer que esse olhar é sempre míope, pelo menos, poderíamos através de sua opacidade ou imprecisão, ter uma tênue percepção de que a destruição do outro seria o nosso próprio suicídio.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 10 de junho de 2013

Site da Imagem: daliarosada.com

A Campanha continua....