segunda-feira, 3 de novembro de 2014
Muçulmanos, judeus e católicos sem conflitos dentro da sala de aula
Escolas têm projetos para estimular a tolerância religiosa e ampliar os horizontes dos alunos
por Clarissa Pains
Estudante do judaico Liessin, Pedro Nudelman de Carvalho observa o Alcorão, livro sagrado do Islã que acaba de chegar ao colégio - Guilherme Leporace
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RIO — Era início de agosto e a luz do sol ainda estava generosa sobre o céu de Viena quando o professor Rafael Azamor entrou em uma das salas da 5ª Conferência Judaico-Muçulmana, na capital austríaca, para contar a jovens de 38 países como funciona o trabalho de tolerância religiosa feito pelo Colégio Israelita Brasileiro Liessin. A tradicional escola de origem judaica em Botafogo criou, há sete anos, uma aula de diálogo inter-religioso. Parte do projeto consiste em aproximar seus alunos de instituições como o Colégio Santo Inácio e a Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio — já que não existe uma escola islâmica no estado. Depois da apresentação de Azamor no congresso, um sacerdote muçulmano o presenteou com um Alcorão, no qual escreveu uma dedicatória que ressalta “desejos de paz”. Na volta ao Brasil, o livro sagrado do Islã encontrou lugar de destaque na biblioteca do Liessin.
— Nas aulas, nós discutimos a coexistência pacífica. Não só entre judeus, muçulmanos e católicos, mas com o outro, quem quer que ele seja — diz o professor, que contou com a consultoria da Sociedade Muçulmana e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) para elaborar o material didático do curso.
Dentro do programa, os alunos frequentam escolas católicas e a única mesquita da cidade, na Tijuca; e integrantes dessas instituições também vão até o Liessin. Nesta quinta-feira, dia 30, por exemplo, haverá no colégio uma palestra de Fernando Celino, que faz parte da Sociedade Muçulmana. Ele falará sobre conceitos básicos do islamismo — religião seguida por cerca de 500 famílias no Estado do Rio, segundo a própria Sociedade Muçulmana — e sobre os conflitos atuais ao redor do mundo.
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— Eu dou palestras em muitos lugares, e o trabalho constante com o Liessin já dura cinco anos. É bom poder mostrar o que é a nossa religião, que infelizmente é muito estereotipada. Sem dúvida, o que mais falta no mundo é diálogo. No Brasil, no entanto, acredito que estamos fazendo um bom trabalho — afirma Celino.
Um dos pontos altos do curso ainda está por vir: os alunos trocarão experiências, nos próximos dias, com estudantes de uma escola muçulmana dos Estados Unidos. Eles se comunicarão por vídeo, perguntando e respondendo questões relativas às práticas religiosas nos dois países. Pedro Nudelman de Carvalho, da 2ª série do ensino médio, espera ansioso por essa etapa.
— Quero perguntar sobre como a vida ficou por lá depois do atentado de 2001. Eu nunca tive muito contato com qualquer religião antes de entrar no Liessin, no ano passado, mas agora vejo que esta é uma parte da cultura que influencia todos os aspectos da vida — diz ele.
O rapaz esteve em Israel e na Polônia em abril, para a Marcha da Vida, que ocorre anualmente. Todos os alunos da 2ª série do Liessin vão para esta viagem, que dura pouco mais de duas semanas, acompanhados de dois alunos do Santo Inácio. Estes são escolhidos a partir de uma prova sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Uma das experiências mais marcantes para Pedro nessa jornada foi a visita a um bairro de Tel Aviv onde crianças judias e muçulmanas estudam na mesma escola.
— Juntas, essas crianças cantaram “Imagine”, do John Lennon, para a gente. Foi emocionante porque elas mostraram um relacionamento muito estreito e natural, e a gente nem sabia quem era de origem judaica e quem era de origem muçulmana — lembra o estudante.
Segundo o coordenador de ensino judaico da escola, Rafael Bronz, a união e o diálogo entre praticantes de diferentes religiões é hoje uma bandeira da instituição.
— Nós focamos mais nas semelhanças do que nas diferenças. Tanto o judaísmo quanto o islamismo, por exemplo, são religiões abraâmicas. Mas é importante entender que é também pela diferença que se fortifica a identidade — arremata ele.
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Alunos do Colégio Eliezer Max aprendem sobre o islamismo na única mesquita do Rio, na Tijuca- Divulgação / Divulgação
No também judaico Eliezer Max, tradicional colégio de Laranjeiras, a preparação para o Bar-Mitzvá — rito de passagem dos adolescentes judeus, aos 13 anos — vem sendo feita de forma bem diferente de três anos para cá: não apenas o aspecto religioso é estudado, mas também o social e cultural.
— Entendemos que é preciso trabalhar todas as diferenças. Queremos criar um diálogo intercultural e intercomunitário. É importante que os alunos travem contato com pessoas de classes sociais diferentes, que moram em outros lugares, que têm hábitos diversos. Entre as muitas atividades, temos encontros com a escola municipal vizinha e nos envolvemos em projetos em favelas como o Morro Santa Marta — afirma Michel Gherman, coordenador de cultura judaica do Eliezer Max.
A empolgação dos alunos deixa claro que o programa de atividades tem funcionado.
— Quando a gente conhece formas de viver que não são as nossas, a gente sempre consegue achar alguma semelhança e acaba entendendo melhor a si mesmo — ressalta David Chor, de 12 anos.
Para Irmã Vaneide Chagas, da Congregação das Religiosas de Nossa Senhora de Sion — à frente do Colégio Sion, hoje presente em oito países, incluindo a unidade do Cosme Velho —, é fundamental que os jovens tenham uma vivência de outras religiões, e não apenas as conheçam na teoria. Por isso é tão importante que eles entrem em contato com judeus, muçulmanos e praticantes de religiões de matriz africana, por exemplo. Não à toa as irmãs dessa congregação atendem também pela alcunha de “as irmãs do diálogo”.
— Nossa congregação recebeu como missão do Vaticano trabalhar o diálogo entre os povos. Isso é vital porque a intolerância é consequência direta da ignorância — destaca.
A própria história do colégio trata de exemplificar isso. A instituição foi criada em 1842, na França, quando os fundadores, que tinham origem judaica mas se tornaram padres, estavam preocupados com o futuro das meninas, que não tinham acesso à educação. Eles passaram, então, a ensinar as pequenas menos favorecidas, entre cristãs, muçulmanas e judias.
— Nessa época, os dois únicos critérios eram ser menina, já que elas eram excluídas dos outros colégios, e querer educação. A religião era o que menos importava. Todo povo tem o direito de existir e de exercer a sua crença. Este é o lema do Sion — sintetiza Irmã Vaneide, acrescentando que hoje a instituição ensina tanto meninas quanto meninos.
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