terça-feira, 30 de setembro de 2014

Xamanismo:O Despertar da Consciencia

Cyro José Leão*


O xamanismo é a mais antiga for­ma de conexão do homem com o Sagrado. Nos primórdios da hu­ma­nidade, o homem descobriu que tinha o poder de “despertar” do estado de in­consciência, tal qual vive um recém-nascido. Detinha o poder de sair do cor­po e entrar no mundo da alma. En­trar em contato com o arquétipo do divino: a Deusa, o Deus e a Tudo que é o des­per­­tar da consciência. Passa a ter livre acesso à Deusa e a receber os co­nhecimen­tos necessários para seu po­vo. Surge, então, o xamã mítico, que pas­sa a ser o primeiro curador na sua co­mu­nidade. Na medida em que as do­enças apareciam, com a intervenção da Gran­de Deusa, ele recebia o conhecimento da cura.

Os rituais sagrados se iniciam e são celebrados pelo xamã, o primeiro reli­gioso. É uma época em que as pessoas acreditavam que a lua era deten­to­ra do poder da vida e da morte, pois pen­sa­vam que o sangue menstrual era o responsável pela gravidez e o mes­mo sangue, quando se esvaía, era o de­ten­tor da morte. Com o decorrer do tem­po, pas­saram a fazer sacrifícios de ­san­gue para fer­tilizar a terra. Era a época do ma­tri­ar­ca­do. Milênios se passam. O das Deu­sas se vai e chega o patriar­cado.

Lenda siberiana


A origem do xamã, segundo uma lenda siberiana, se deu num momento de caos total na terra. E o ser Supremo envia a Águia para colocar um pouco de ordem. Por ser um pássaro, ela não é compre­endida pelos huma­nos. A Águia (símbolo da consciência) en­­contra uma mulher (identificada como liberdade) sob a copa de uma árvore, co­pu­la com ela e daí nasce o primeiro xamã.

A palavra xamã deriva do dialeto tungu-saman, do sânscrito – sramana  e do páli – sa­mana e significa “o homem ins­pira­do pelos espíritos”.

Apesar de o xamanismo ter sido um a­con­tecimento do re-ligare com o ar­qué­tipo do divino, não é uma religião, e sim uma filosofia de vida, que ressurge neste século.

Mircea Eliade, em sua obra O xama­nismo e as técnicas arcaicas de êxtase, evi­denciou a perspectiva dos xamãs e descreve ritos na Sibéria, América do Nor­te, América do Sul, Indonésia, Oce­a­nia etc. De acordo com o autor, os xa­mãs são eleitos e por isso têm aces­so a uma região do Sagrado, inacessível a ou­tros membros da comu­nidade, e de al­gum modo cuidam da alma desta. O xamã é o grande especialista da alma hu­ma­na. Só ele a vê, pois conhece sua for­ma e seu destino.

Xamãs urbanos

Em 1960, inicia-se o movimento do retorno ao xamanismo, quando figuras como Carlos Castanheda e Michael Har­ner, ambos antropólogos, publicam as pri­meiras manifestações científicas so­bre o fe­nô­me­no. Michael Harner é ini­ci­ado como xamã nos andes equa­toria­nos por uma xamã jivaro. A partir desse mo­men­to, ele ­come­ça sua ca­minhada de trazer ao mun­do moder­no os conheci­men­­tos tão antigos e arqui­vados em nos­­sa me­mó­ria. Passa a difundir seu traba­lho nas univer­si­­dades norte-ameri­ca­nas, prin­ci­palmente na Uni­ver­­sidade de Columbia. Atra­vés de uma fita cassete, ele le­va o som do tambor a seus alu­nos, que entram em es­tado alterado de cons­ciên­cia xamânica. É o despertar dos neoxa­mãs, também chamados xamãs ur­banos que praticam os conhecimentos na­tivos na selva de pedra.

O que é o xamanismo?

O xamanismo é acima de tudo uma técnica de ampliação da cons­ciência e pode ser praticada por todos os credos. Sendo um caminho de busca, prevê uma disciplina teó­rica e prática. No que diz respeito à teoria, vamos buscá-la com xamãs, anciãos, homens e mulheres sá­bias, e leitura de textos de autores vari­ados, embora a tradição tenha sido sem­pre oral, há pouco tempo foi pas­sa­da para o papel.

A teoria é referendada pela prática de jornadas iniciativas, rituais, e viagens xa­mâ­nicas, em que ao som do tambor, o xa­mã conduz o aprendiz, com uma in­ten­­ção clara de entrar num leve estado alterado de consciência xamânica, que está gravado em nossa memória arcaica ou em nossas fitas de DNA. O xama­nis­mo é o retorno do Sagrado nos dias de hoje e consolida a sua ra­zão de ser atra­vés de ri­tuais e celebrações.

Ritos e celebrações

Temos algumas cele­bra­ções impor­tan­tes: rituais da lua cheia (reverência ao feminino e à intuição) e rituais da lua nova (alguns grupos fazem apenas com homens).

Os ritos de passagem são muito impor­tantes nas tra­di­ções antigas e são ainda preser­vados entre os indígenas. Dos 13 aos 14 anos, o menino deixa de ser cri­an­­­ça e torna-se ho­mem num ri­tual para o novo guer­reiro e a me­ni­na torna-se mu­lher quando recebe seu pri­mei­ro sangue (a primeira mens­truação).

A mudança das esta­ções é fundamental, pois marca o término de um ciclo e o início de outro. É a morte de uma es­tação e o re­nascimento da outra. O equi­nócio da primavera (23 de setembro) e o do outono (21 de março) são regidos pelo sol e, neste período, as horas do dia são iguais às da noite. No solstício de in­verno (21 de junho), temos a noite mais longa do ano e, no de verão, o dia mais longo do ano.

A preservação da natureza

Um dos pontos fortes do xamanismo é a preservação ambiental, e sua missão está em conscientizar o homem e a mu­lher modernos da sua responsa­bilidade no trato da mãe terra, que é a grande pro­­­vedora. Sua força e medicina está em man­ter o equilíbrio entre os quatro ele­men­tos da natureza: a terra, o ar, a água e o fogo. Quando estes elementos es­tão em desarmonia, temos as catás­tro­fes, tais como inundação, ­terre­mo­tos, mare­mo­­tos, furacões, quei­ma­das, efeito estu­fa, calor excessivo etc.

Por intermédio desse movimento, ve­mos nos últimos tempos uma busca in­cessante da preservação da natureza. De todos os la­dos do planeta, assistimos a ma­ni­fes­ta­ções, passeatas, campanhas e eventos pe­dindo a cura do planeta, o con­trole da poluição, a eco­no­mia da á­gua, pois os re­cursos na­turais estão se aca­bando e, se os hu­manos não a­cor­­da­rem para a sua re­cu­­pe­ra­­ção, o que será das ge­ra­ções futuras? Te­mos de fazer al­go, e es­te algo é agora. Va­mos em pri­mei­­­ro lu­gar equi­librar e cuidar da nossa eco­­logia in­ter­na para que isso possa re­fle­tir no e­­qui­­­lí­brio da ecologia externa. E esta é uma das propostas do neo­xama­nismo.

Ética xamânica

A conduta ética dos neoxamãs ou xamãs urbanos é baseada em cinco leis fundamentais de valores morais, que seguem a ética do coração – o ca­mi­nho do xamã nativo.
• Prática da impecabilidade do gue­r­reiro (a ética do coração).
• Prática da entrega (confiar num Ser Su­premo que proverá suas ne­ces­­si­da­des).
• Alcançar o máximo de eficiência com o mínimo de esforço (estar focado no que faz e praticar a disciplina do guer­reiro).
• Prática do desapego (estar presente no aqui-agora deixando ir o passado e não se projetando ou vivendo no futuro).
• Sair da causa e efeito e passar a viver a sincronicidade.

A filosofia é simples, mas depende de cada um querer seguir o seu caminho. Um deles é o do coração e é maravilhoso perceber que todos nós temos esse herói interno que está a serviço da cura e da religiosidade (do re-ligare) e pode ser acessado a qualquer tempo.

* Psicólogo, especialista em terapia floral, atendimento individual; ministra cursos e palestras, especialmente sobre vivência em xamanismo.

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