terça-feira, 30 de setembro de 2014

A mística do hinduísmo e do budismo

Joachim Andrade*

Plenitude por toda parte,
da plenitude origina-se plenitude.
Quando a plenitude se origina
 da plenitude, a plenitude permanece.
Om Paz, paz, paz.

(Invocação precedendo o Isa Upani­shad)

Não há paz entre as nações, sem a paz entre as religiões; não há paz entre as religiões, sem o diálogo entre as religiões; não há diálogo, sem ter uma profunda pesquisa nos fundamentos teológicos” – disse o teólogo alemão Hans Küng. Esta abordagem não levará a um profundo conhecimento das religiões sapienciais, mas dará uma ideia geral sobre o hinduísmo e o budismo.

Entre as religiões orientais, as mais importantes são: hinduísmo, confucionismo, taoísmo, budismo, jainismo e xintoísmo. O hinduísmo salienta a unidade do universo, pois ela parte dos três princípios básicos, Dharma, Samsara e Karma (Verdade, Vida e Ação). Esses princípios remetem a uma visão holística dos hindus, que aponta para uma realidade agrícola, com o processo cíclico e contínuo de nascimento, crescimento e morte. Esse processo da natureza deu espaço ao surgimento do conceito de Deus – Criador, Preservador e Destruidor. O agricultor tem tempo para descansar após a sementeira. Esse tempo ele o utiliza para meditar ou pensar nas questões básicas da vida, nas montanhas, à beira do rio ou em lugares isolados. Portanto, essa religião é considerada sapiencial, pois as Sagradas Escrituras são as coletâneas da experiência cotidiana do povo.

Criação e salvação no hinduísmo

A visão hindu do mundo e da salvação, ou moksha, é intimamente ligada à idéia da criação. Esta ocorre não como percebemos nas religiões judaico-cristãs ou na muçulmana, em que Deus cria o mundo do nada, mas ocorre a partir da dissolução do corpo de Deus, o qual se desintegra, e as coisas, os animais e os seres humanos começam a emergir. A salvação é nada mais do que o esforço de muitos tentando voltar ao Um. Essa ideia pode ser multiplicada inúmeras vezes tanto ao nível micro como ao macro.

Segundo a tradição hindu, as coisas que emanam de Deus são chamadas Atman ou pequena alma. O Deus é considerado Paramatman, Infinito, Impessoal ou Grande Alma. Quando a pe­quena alma que simboliza a criação atinge o moksha, significa que ela se dissolve no Grande Alma.

A ideia da salvação é incutida pelo fato de que o Todo se desintegra em muitos e os muitos desejam se dissolver em Um. Esses muitos potencialmente são reais, mas na maioria das vezes pensam que eles existem independentemente do Absoluto e, neste caso, caem na ignorância, ou seja, eles esquecem que estão conectados com o Um.

Apresenta sua soteriologia a partir do mal, que no hinduísmo é a ignorância. A causa do mesmo está no que se faz (karma) de mal em vidas passadas ou também durante a vida do presente. Conhecemos a prece “guia-me do irreal ao real, da escuridão à luz, da morte à imortalidade”. Para se chegar à libertação, são indicados três caminhos conhecidos como Jnana marga, o caminho do conhecimento; Bhakti marga, o caminho da devoção; e Karma marga, o caminho do serviço. Como o hinduísmo não possui o conceito da salvação operada por um mediador como no cristianismo, a sua religiosidade é profundamente individualizada, pois cada um deve operar por si mesmo a sua libertação.

O misticismo hindu

O misticismo do hinduísmo remete a mais uma ideia nova da espiritualidade indiana, que se manifesta de forma espiral. Na medida em que uma pessoa faz o bem, está caminhando na direção do centro e em caso oposto está caminhando na direção afastada do centro. Mas sempre todos estão ligados ao centro na linha espiral, como todas as ruas estão ligadas de certa forma a outra com a estação rodoviária de qualquer cidade. Também existe uma possibilidade de pular de um lugar para o outro na linha espiral, segundo a sua ação. Quando se atinge o centro, sempre se perde a sua identidade, mas o que permanece nada mais é do que o centro.

Inúmeros templos são construídos de uma forma redonda ou retangular, colocando a figura de Deus no centro. Normalmente existem sete portas para se chegar ao centro, simbolizando purificação de sete elementos que bloqueiam os três caminhos já citados, começa com a sensualidade e termina com seu próprio corpo. Somente através do desapego ­total se consegue chegar ao centro do templo, ou seja, consegue se unir a Deus.

Ritos hindus na Índia

O ritual se baseia em duas pressuposições fundamentais e interdependentes: na primeira, o si mesmo (self) é potencialmente divino e pode se desenvolver ilimitadamente; na segunda, como corolário da primeira, a realidade para o Absoluto é a meta principal a ser buscada. Em um polo está o si mesmo ou as aspirações individuais esperando serem liberadas ou iluminadas, e no outro, a meta final. Entre esses dois polos se encontra o estado intermediário de se chegar à meta. Isso é o ritual. Em si os ritos utilizam  três componentes principais, os yantras, elementos geométricos ou numéricos; os mantras, elementos sonoros e rítmicos; e os tantras atos simbólicos, que incluem certos gestos (mudras).

Os yantras são diagramas dotados de poder oculto. Baseiam-se em combinações de números e de traçados geométricos que tracejam estruturas harmônicas nas quais alguns números primos parecem desempenhar um papel essencial. Os mantras são fórmulas sonoras de caráter mágico, repetidas segundo ciclos rítmicos. Já os tantras são práticas de caráter ritual, que comportam atos aparentemente gratuitos, permitindo o estabelecimento de contatos entre mundos ou estados de ser diferentes.

Encontram-se ritos chamados sandhya, que se cumprem no momento da transição entre a escuridão e a luz da manhã, relacionado ao nascimento e ao ocaso do sol, considerado uma hora especial para a oração, acompanhado de um banho. Também há os ritos de oferenda aos deuses e às almas dos defuntos, recitação do terço chamado japamala, que contém mil contas simbolizando mil nomes de Deus. Além disso, têm sacramentos, chamados samskaras, ligados aos ritos de passagem.

O melhor lugar para a realização dos ritos é onde se encontram juntos três elementos da natureza – rocha, água e verde –, pois neles os deuses preferem morar. Por isso templos foram construídos à beira dos rios providenciando os elementos aptos para a adoração. Na tradição indiana, esses três elementos da natureza fazem parte da busca espiritual. A rocha simbolizando a estabilidade; a água, a peregrinação; e o verde, a vida.

O budismo

O budismo teve seu início como uma ramificação monástica do hinduísmo. Originalmente foi pensado para um grupo seleto que aspirava a uma vida de dedicação total. Buda, o iluminado, foi príncipe chamado Siddhartha Gautama que saiu de seu palácio pela primeira vez, aos 29 anos, e descobriu a grande escala da miséria humana. Surpreso e sem saber o que fazer, deixou tudo e dedicou-se a descobrir o mistério da vida. Depois de 12 anos de meditação, chegou ao estado de iluminação, descobrindo que a causa da dor está no dukha ou desejo.

Toda a essência do budismo está contida em quatro proposições que os fiéis denominam verdades nobres. A primeira apresenta a existência da dor como ligada ao eterno fluir das coisas; a segunda mostra no desejo a causa da dor; a terceira faz da supressão do desejo o único meio de suprimir a dor; a quarta enumera as três etapas pelas quais é preciso passar para chegar a essa supressão. São oito vias retas: consciência, intenção, palavra, ação, vida, esforço, saber e recolhimento.

Cosmovisão budista

Três elementos principais, impulsionados pelo Lama Garab Dorbji: ouvir, meditar e agir. No budismo, a validade da doutrina é transmitida somente quando testada pela experiência. Para isso, a tranquilidade mental é necessária. Daí a importância da meditação. Uma vez que tenha a experiência, o indivíduo busca o método. Buda veio ajudar os seres com esse método.

O método é simples: o budista não se preocupa em saber a origem deste mundo do devir, no qual vive e sofre; toma-o como um fato, e seu esforço é para se livrar dele. Não tem nenhum deus a agradecer, da mesma forma que, nas lutas, nenhum deus é invocado para ajudá-lo. Sendo o caminho totalmente individual, Buda analisa o processo em que o ser humano entra na roda da vida com o sofrimento. Reconhece que temos seis sentidos e é através deles que experienciamos o mundo externo. Se o contato for agradável, surge uma sensação gostosa no corpo, se for desagradável, uma sensação negativa.

A capacidade de manter a respiração inalterada é o segredo do budismo. Por isso, em primeiro lugar Buda sugere que conheçamos as leis da natureza, pois a lei é a mesma, seja no corpo humano ou na própria natureza. Se alguém fizer algo contra a natureza, ela castiga. Sendo familiar com a natureza, é possível equilibrar a vida. Para isso, é necessária a meditação, que leva à iluminação e nela todo mundo parece feliz. Mas cada um deve enfrentar isoladamente a si mesmo – na doença, na velhice e na morte, pois nesses três elementos ninguém pode substituir ninguém.

Nem todos conseguem ter a clareza dos propósitos por causa do redemoinho da atividade cotidiana. É por isso que existem seres iluminados chamados Bodi­satvas, aqueles que já atingiram o estado de iluminação, mas permanecem na terra para ajudar os que necessitam. A palavra Dalai Lama significa o perfeito Buda da compaixão.

Há uma crítica ao budismo pela falta da participação na transformação da sociedade. Mas, a meu ver, os três princípios, Buda, Dhama e Sangha, ajudam a compreender a participação. A noção da palavra Buda remete à pessoa de Siddhartha, um ser humano como nós, que chegou ao estado de iluminação. Dhama aponta para a universalidade da doutrina do budismo. Sangha é a comunidade dos seres iluminados e dos “bons amigos”, os Bodisatvas, e se manifesta trazendo enorme benefício a todos os seres, aliviando suas dores, conduzindo-os ao verdadeiro caminho de libertação e apontando-lhes a correta compreensão da realidade.

* Bacharel em Filosofia, Teologia, Literatura Inglesa e História. Especialização em Dança Clássica Indiana e em Grandes Religiões Orientais. Mestrando em Antropologia Social na Universidade Federal do Paraná.
 
Fonte-Revista Diálogo
 

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