“A questão de orar ou de rezar nunca foi motivo de briga. A gente estuda o passado para entender o presente. Ninguém nunca matou o vizinho por causa de Deus, é só um pretexto”, avaliou a muçulmana Paloma Awada, de 32 anos, sobre possíveis conflitos que diferenças entre religiões podem causar nas relações humanas. Filha de um imigrante libanês muçulmano em São Paulo com uma brasileira católica, ela segue o islamismo desde criança.
Eu fiquei interessada em conversar com algum muçulmano sobre o sentido da vida por conta do atentado terrorista ao jornal Charlie Hebdo na França no começo de janeiro, que ampliou os debates sobre conflitos entre diferentes crenças no mundo. Encontrei Paloma pela internet e ela me recebeu para uma conversa em seu local de trabalho, no Centro de São Paulo.
Apesar de a família materna dela não seguir o Islã, a economista me disse que sempre conviveu com a colônia árabe na cidade de São Paulo por causa da família paterna, o que a aproximou da religião. Afirmou que as diferentes crenças nunca foram motivos de intrigas entre seus pais (que acabaram se separando, mas por outras razões).
“O quesito religião nunca atrapalhou. Religião nenhuma nunca atrapalha. São sempre outros interesses. Se você reza de um jeito e eu de outro normalmente isso não vai afetar minha relação com você, normalmente não é isso. O que tem por trás nunca é isso. Sempre é um cunho político ou financeiro. Na verdade, sempre é financeiro. A política dá poder e dá finanças.”
Sobre a questão do atentado na França, cravou acreditar ser errado matar em qualquer contexto. “Qualquer ato de morte é absurdo em qualquer lugar do mundo, mas é uma forma que esses povos têm de reivindicar algum direito que alguém algum dia tirou deles.”
Avaliou que essa violência é originada por outra violência anterior, citando toda a questão histórica que envolve desde colonização por países Europeus, guerras e até mesmo a soberania dos Estados Unidos no mundo. “Você ataca o país, você tira seus líderes, você mata, você denigre a imagem daquela cultura, daquele povo. Você vende para o mundo que aquele povo é terrorista.”
Na opinião dela, tudo isso faz com que o resto do mundo enxergue os países árabes como um lugar onde só tem bombas, terrorismo e mulheres apedrejadas. “Tem isso, mas não só isso. Tem uma cultura por trás disso. Quem vê de fora não adianta julgar, não julgue a cultura alheia com teus olhos, não faça isso, porque se eles estão assim há 1,4 mil anos é porque eles gostam, e quem não gosta, saia.”
Sentido da vida
Para Paloma, a vida é uma ponte, um aprendizado. “Você vem para fazer algumas coisas, para aprender e ensinar outras. E o mais importante, na minha opinião, é que a pessoa tem sempre se esforçar para viver da melhor forma possível.”
Avaliou que Deus concedeu ao ser humano a inteligência. “Com a sua inteligência você pode fazer milagres, você pode trabalhar, gerar, cair e levantar muitas vezes e procurar sempre, sempre fazer aquilo que faz você feliz, o que te traz felicidade, e o que te traz felicidade não pode ser alguma coisa que traga infelicidade aos outros. Se você quer ser feliz e está fazendo infeliz todo mundo ao seu redor, tem alguma coisa errada.”
Islamismo
Paloma afirmou que sempre gostou muito de estudar as diferenças entre as crenças e, quando pequena, chegou a frequentar outros templos religiosos. “Eu sigo o Islã porque minha família segue, e lógico que eu estudei isso, eu não sou muçulmana só porque me disseram ‘você é muçulmana’. A gente acredita em Deus, assim como outras religiões também.”
Afirmou que o Islã nada mais é do que uma continuação do cristianismo, do judaísmo, e que, para ela, Deus é um só. “Existe um criador de tudo isso. Ele se chama Deus. Em português é Deus, em árabe é Alá, em inglês é God. Deus que é uma luz suprema, uma energia suprema.”
Crê, ainda, que os profetas são mensageiros. “Na verdade, o profeta Muhhamad é uma continuação, ele não falou nada de diferente de Moisés, nada de diferente de Abraão, nada de diferente de Jesus Cristo. Nada.”
Véu
Já foi ao Líbano muitas vezes e disse que é bastante envolvida com as ações da colônia islâmica em São Paulo – em algumas épocas da vida mais, outras menos. Optou por usar o véu aos 14 anos. Revelou que sempre se sentiu mais protegida com o acessório, principalmente com relação ao assédio frequente de homens pelas ruas de São Paulo, que não mexem com a mulher quando está com véu, disse.
Por outro lado, já perdeu vagas de emprego e até mesmo foi impedida de fazer uma prova num concurso público por estar com a cabeça coberta. Sem contar as brincadeiras frequentes que ouve de desconhecidos sobre a vestimenta. “Às vezes tem brincadeiras que pesam. Algum cliente que faz uma graça, como ‘vou te pedir desconto, mas não me explode’. Você até leva na brincadeira, mas tem situações que não é legal.”
Revelou que a maioria das mulheres de véu no Brasil acaba trabalhando com a família ou em entidades árabes. “O mercado de trabalho tem um padrão e ele não absorve, isso é fato.”
Por conta disso, trabalha com comércio no Centro de São Paulo. Afirmou que essa questão profissional é a que mais a coibiu ao usar o véu. “São coisas aqui no Brasil que ainda limitam um pouco, são normas. Eu respeito, quando isso vai acabar? Não sei.”
http://www.contioutra.com/nao-julgue-a-cultura-alheia-com-teus-olhos-diz-muculmana/
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