Para completar a carga horária do município, tenho uma turma de Ensino Religioso, e apesar de ser considerada pela maioria um corpo estranho dentro do currículo, que faz com que genericamente se trabalhe valores, aprendi no estágio a utilizar o espaço para trabalhar: a presença da Religião em nossas vidas; a importância dessa esfera para o funcionamento da sociedade e das relações sociais; bem como a Diversidade Religiosa.
Gosto de trabalhar com o Ensino Religioso, principalmente por que não insiro a temática nas aulas de Sociologia, portanto, é um espaço para exercitar esse tipo de reflexão, além do fato de ver sentido na presença de tal disciplina na grade curricular a partir da perspectiva acima.
Vou compartilhar algumas ideias de aulas sobre essa temática Afrodescendente, resgatando materiais do ano passado e que utilizei esse ano. Em uma próxima postagem pretendo compartilhar uma reflexão um pouco mais programática de como estou tateando aos poucos esse espaço.
Trabalhar as Religiões Afro nunca é muito fácil, pois existe muito preconceito em volta delas. Das vezes que trabalhei o assunto, foi bem comum ver caras feias e alunos se negando a participar das atividades que envolvessem a temática, quando não, chamando o tema de coisa do capeta ou de "coisa ruim". De qualquer forma, não devemos ceder as resistências, pois se não ouvirem um versão diferente na escola sobre as religiões de matriz africana, é possível que não consigam perceber que tudo depende do significado que atribuímos para cada crença e ações.
Ambas as turmas nas quais trabalhei esse assunto, havia um número considerável de alunos evangélicos ou que frequentavam a igreja católica, o que facilita certas barreiras, porém, não necessariamente obstáculos. Pois é a partir das impressões deles e da própria ojeriza que possuem sobre essas crenças que é possível conversar, explicar e discutir. Eles sempre tem algum tipo de curiosidade, comentário ou posicionamento a contribuir, é nesse ponto que devemos explorar. Mesmo os que se recusam a participar de alguma proposta, interagem de uma determinada forma com as aulas, contribuindo para o diálogo interreligioso de certa forma.
Me apoio muito no Sincretismo, nas relações entre Orixás e Santos para explicar que a fé é a mesma, mas as explicações e simbologias são diferentes. Até chegar nesse ponto da matéria, busco trabalhar anteriormente a questão dos Mitos de Criação para esclarecer que cada religião tem um tipo de explicação para a existência do mundo, e fora da religião, existem outras hipóteses sobre nossas origens, como na ciência, daí também utilizo as explicações Evolucionista para exemplificar (em contraponto ao Criacionismo).
Na verdade "preparo o terreno" boa parte do ano para poder trabalhar as religiões afrobrasileiras, com as tradições monoteístas e cristãs antes para evitar reclamações.
Ainda não tive problemas com pais por trabalhar essas questões, contudo, imagino que se um dia a situação surgir, explicaria o caminho percorrido e a forma de lidar com o assunto, que não é de convencimento e catequização, e sim de reflexão-alteridade; apesar de imaginar que isso não exclua desconfortos a algumas famílias, é importante lembrar que temos a lei 10.639 nos amparando, e portanto, devemos sim trabalhar tais questões em sala de aula.
As religiões de matriz africana são constantemente inferiorizadas e discriminadas, sejam por dizeres como "chuta que é macumba" e "volta para o mar oferenda" quanto a xingamentos diversos aos praticantes e ataques aos templos religiosos, portanto, é fundamental utilizar os períodos de Ensino Religioso para desconstruir esses preconceitos que muitas vezes estão cheios de racismo ("é coisa de preto" "negrisse").
Considero que ainda não consegui trabalhar esse tema de forma extremamente satisfatória, pois ainda estou consolidando meu planejamento do Ensino Religioso. E também pela rapidez que foram tratadas as questões, tanto esse ano quanto ano passado, foram destinadas 2 aulas, uma para uma parte "teórica" ou para um trabalho. Imagino que 3 aulas possam ser um numero suficiente, pois é possível que mais aulas possa estimular polêmicas desnecessárias (esse pode ser um receio em demasia, mas a prática também vai auxiliando a ver o termômetro, então com o tempo acharei a medida).
Ano passado, a aula destinada a explicar o tema não deu certo, quis colocar muita coisa em pouco tempo sobre um tema que não gera apatia nos alunos. Inevitavelmente, quando queremos fazer coisas diferentes mas estamos pressionados pelo tempo para tê-las prontas logo, não pensamos necessariamente na sua operacionalização. A ideia era passar algumas músicas sobre a questão, que tinham foco nos orixás, que me auxiliassem a explicar a questão do sincretismo e um pouco dos preconceitos que são criados em torno dessas crenças. Porém, exagerei no número de músicas, apesar de a quantidade ser a intenção de contemplar gêneros musicais; entretanto, alunos de Ensino Fundamental são mais agitados e possuem menos paciência, portanto, ouvir e analisar 1 música já gera muito esforço, quem dirá 6.
Mesmo não alcançando o que queria, muitos alunos evangélicos se demonstraram extremamente curiosos com a aula e sem muitas barreiras para falar sobre a questão, mesmo que fora da escola essa não seja uma postura que tenham. Considero um pequeno saldo positivo. E como trabalho eles fizeram um jogo da memória entre santos e orixás, que compensou a aula das músicas, pois durante a confecção do trabalho as perguntas iam surgindo.
Os materiais utilizados foram os abaixo:
Aula0811 from Eduarda Bonora Kern - (Material para anotações)
Esse ano, aproveitei o interesse de alguns alunos no anime Cavaleiros dos Zodíaco, e também relacionei as representações das forças da natureza que muitos Orixás trazem consigo com a Mitologia Grega. Esse foi um elemento que reforçou a ideia de que cada crença trás uma explicação válida a quem acredita e por isso deve ser respeitada, além de complementar as explicações anteriores sobre religiões politeístas e monoteístas.
Para iniciar passei os dois vídeos abaixo, seguindo da exibição e explicação dos slides (na sequencia) e finalizando com um pequeno texto no quadro.
(Dica: O projeto A Cor da Cultura disponibiliza um conjunto de episódios sobre diferentes questões referentes ao recorte étnico-racial afro. Muitas escolas também possuem o Kit do Cor da Cultura de maneira física, podendo deixar as experiências ainda mais ricas.)
A dinâmica já melhorou um pouco mais, entretanto, devido ao desinteresse e desmotivação do fim do ano por parte da turma, ficou um pouco limitado o alcance das explicações.
E como trabalho sobre a temática, tendo em vista a época do ano, fizemos um presépio. A ideia era que fossem criados presépios com os orixás, pelos alunos que se sentissem confortáveis de fazer isso e os tradicionais pelo resto. O obstáculo nesse ponto foi a dificuldade de achar materiais dos orixás que se enquadrassem na ideia do colorir e recortar, portanto, ninguém se dispôs para o presépio afro pois os materiais eram bem menos atrativos.
Aula2711 from Eduarda Bonora Kern - Material Base
Ainda preciso melhorar bastante para trabalhar de uma maneira efetiva a questão, imagino que essa altura será necessário pesquisar alguns materiais e leituras para aprimorar o processo criativo, mas mantenho a certeza de como é fundamental dar atenção a esse assunto, principalmente nas aulas de Ensino Religioso.
fonte:http://sociologiaemteste.blogspot.com.br/2012/12/matriz-afro-no-ensino-religioso.html
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