Sobre esta imagem que tem gerado tanta polêmica entre os católicos, com todo respeito aos meus irmãos na fé, de opiniões diferentes, esta imagem não me choca. O que me choca é saber que, segundo estatísticas, no ano passado 313 pessoas homo-afetivas foram assassinadas no Brasil, muitas delas pelo simples fato de serem homo-afetivas.De janeiro até hoje, foram 218 mortes de LGBT no país, dos quais 71 por tiros, 70 a facadas, 21 espancados, 20 por asfixia, 11 a pauladas e seis apedrejados, entre outras...Não podemos ser cristãos sentindo devoção com os teatros da paixão de Cristo na semana Santa e virar as costas a esta triste realidade. A vida dessas pessoas vale mais do que os devocionismos exagerados que se preocupam mais com símbolos do que com as pessoas. Essa imagem ao invés de despertar revolta, deveria ser um apelo para rezarmos a nossa práxis religiosa.
Não podemos ser como aqueles fariseus do tempo de Jesus que colocavam fardos pesados nas costas de outros quando eles mesmos não podiam levar. Jesus veio pra aliviar esse peso da opressão, acolher, tocar o coração, curar as feridas. Ele cumpria com seus gestos o que pregava. “O amor consiste mais em obras que em palavras...”, mais em atitudes de amor - como aquelas de Jesus - do que com devoções crispadas que não constroem o Reino.
Há coisas que deveriam ser preocupações primárias e outras secundárias. Para mim a preocupação primária é a causa do Reino de Jesus. Os símbolos comunicam algo da nossa fé, mas eles não deveriam ser colocados em primeiro lugar substituindo o amor ao próximo. "Nem todo o que me diz Senhor! Senhor! chegará ao Reino dos Céus, mas o que ouve minha palavra e põe em prática". Colocar a Palavra de Jesus em prática é, sobretudo, amar a Deus e ao próximo. ¿Mas com podemos amar a Deus a quem não vemos, se não amamos o irmão que vemos? Essa é a experiência de fé que devemos buscar viver, essa é uma preocupação primária.
As opiniões manifestadas nessa polêmica são divergentes e penso que cada um fala da experiência de fé que tem. Se um símbolo de madeira é motivo de escândalo para alguém e os crucificados desse mundo não, eu diria que Cristo se escandalizará de dessa pessoa também. Cristo passou fazendo o bem e acolhendo a todas as pessoas, sem distinção. Hoje, grande parte dos católicos fazem o contrário, continuam condenando. É necessário “menos católico e mais cristão”.
Gostaria de partilhar uma experiência que fiz nestes dias enquanto presidia a Eucaristia numa comunidade para portadores de HIV, Aids, adictos. Ali haviam pessoas que já passaram por muitas experiências na vida. Haviam homo-afetivos, pessoas que viveram no mundo do crime, pessoas que, assim como os da época de Jesus que eram impedidos de aproximarem-se do templo por serem enfermos pecadores, também são discriminados por muitos de nós hoje em dia. Escutar de cada uma delas o desabafo de um sofrimento oprimido nos sensibiliza e nos faz sentir com Cristo no sofrimento dos excluídos. O que Jesus fez foi acolher os "pecadores" como Zaqueu, a Samaritana, o cego Bartimeu, os leprosos, etc.
Cristo continua presente no sofrimento dessas pessoas hoje também. Se ele não nos move à sensibilidade para com elas, nossa fé é em vão. Me lembro das palavras da dona Marta que tem um trabalho excepcional em Campinas com os pequenos e excluídos: "Se saio da missa com a cabeça em pé e não olho o meu irmão que está embaixo do meu nariz estendendo a mão, a missa não me valeu de nada...". Enquanto eu presidia a missa, ao levantar o Cálice na de Cristo, tive uma consolação muito grande e pensei: este cálice levantado é para esses pobres marginalizados e excluídos que aqui compartem comigo suas vidas. Por isso digo que os símbolos cristãos fazem sentido em nossa vida na medida em que nos levam a viver uma experiência de fé que constrói o Reino de Deus. Se levanto o cálice na missa, todos dizemos amém, mas não vivemos a missa no cotidiano, ela não tem seu verdadeiro sentido. Se ando com uma cruz no peito, mas minha prática de vida não condiz com o que Cristo me pede, a cruz também não tem sentido pra mim. O amor a Deus e ao próximo deve ser anterior a qualquer coisa.
Na cruz criticada por muitos poderia estar um sem terra, um sem teto, um imigrante africano, um negro, um índio, uma prostituta... mas um transexual não pode, é blasfêmia.Quem sabe se fosse numa procissão poderia. Isso nos faz crer que a revolta se aparenta mais com o preconceito. Termino com as palavras de Rudá Guedes: "Reduzir dois pedaços de madeira cruzados como símbolo do cristianismo é jogar por terra, justamente, o ato de grandiosidade que dá sentido à cruz para um cristão. NÃO É A MADEIRA CRUZADA QUE DEFINE A CRENÇA CRISTÃ. MAS A AÇÃO DAQUELE QUE FOI PREGADO NA CRUZ."
http://www.terraboa.blog.br/2015/06/transsexual-crucificada-vira-alvo-de.html
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