segunda-feira, 16 de março de 2015

‘Literatura associada ao adjetivo negro incomoda’, diz editor de coletivo

21/11/2014 08h20 - Atualizado em 22/11/2014 17h24

‘Literatura associada ao adjetivo negro incomoda’, diz editor de coletivo

Para Guellwaar, literatura brasileira precisa explicar porque é tão branca.
Escritores e pesquisadores de coletivo baiano defendem a literatura negra.

Danutta RodriguesDo G1 BA
Existe literatura negra ou apenas uma literatura universal? A partir dessa provocação que quatro escritores e uma pesquisadora do coletivo literário baiano “Ogum’s Toques” afirmaram, em conversa com o G1, que o negro como adjetivo de literatura não pode ser interpretado como restrição e é a literatura brasileira que precisa explicar porque é tão branca. “O negro na literatura brasileira transforma o sentido e a produção do sentido do fazer literário. Mais do que querer impor domínios e fronteiras, ele está provocando uma enunciação de uma série de sujeitos e escritores que sempre estiveram aí, mas não alcançaram esse lugar de enunciação”, defende Ari Sacramento, escritor e professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
(O G1 publica até domingo (23) matérias com temas relacionados ao mês da Consciência Negra)

Para Guellwaar Adún, compositor, educador, escritor e editor do coletivo “Ogum´s Toques”, todas as vezes que o adjetivo negro é associado a alguma coisa positiva, isso incomoda a sociedade brasileira. “Cabe sempre associar o negro a algo ruim. Se você fala em vala negra, em câmbio negro, mercado negro, lista negra, quando o adjetivo está associado a algo ruim isso não incomoda a sociedade brasileira. Mas quando você associa à grande arte, que é a literatura e você associa isso ao adjetivo negro, me parece que cria alguns frissons porque o que foi afirmado historicamente é que esse sujeito não pensava, não é um sujeito de conhecimento e aí ele está dizendo que faz literatura?”, reflete Adún. (No vídeo acima, escritores e pesquisadora declamam poemas de autores negros)
Não só o lugar de fala, mas acima de tudo o da representação e identificação. É assim que a pesquisadora Cristian Sales compreende o significado da literatura negra. Além de promover o discurso e defender o discurso, a literatura negra humaniza o personagem negro, a personagem negra.
“Ela milita num campo de construir uma tessitura literária que está interessada em visibilizar a voz do escritor negro, dar corpo a esse corpus novo literário, narrativo, poético, que vai inserir a mulher negra e o homem negro em outras histórias, não a história do malandro, não a história da prostituta, não tem nada disso, está para além disso. A gente quer a visibilidade, mas uma visibilidade que nos humanize, e eu acho que isso pode definir a literatura negra”, afirma. "É importante destacar no nosso discurso que estamos falando de negros e negras, não de afrodescendentes", alerta Cristian Sales.
Mel Adún e Henrique Freitas, escritores do coletivo Ogum´s Toques (Foto: Danutta Rodrigues/G1)Mel Adún e Henrique Freitas, escritores do coletivo
Ogum´s Toques (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
A jornalista e escritora Mel Adún reforça o discurso de Cristian Sales e defende que a literatura negra conta o outro lado da história, e não apenas uma história única e estereotipada.
“Claro que vai ter malandro, mas não tem só essa face, tem outras faces e tem esse caminho mesmo de como se chegou até ali. O que a gente vê na história da literatura brasileira são personagens negros e negras sem sobrenome, sem família, com funções de uso mesmo é serviçal em todos os sentidos”, revela. “Não é que ela não vá abordar esses personagens, mas até esses personagens, quando eles são abordados, eles são tomados dentro da sua integralidade, de como eles chegaram naquele lugar”, complementa Guellwaar Adún. 
Feira de Frankfurt
Em 2013, o Brasil foi homenageado na Feira de Frankfurt, na Alemanha. Na ocasião, o país foi considerado como racista por ter apenas um negro na lista de 70 autores selecionados para participar do evento. "Eu pergunto o que significa essa literatura universal? E eu tenho a curiosidade de saber que conhecimento essas pessoas que defendem isso têm sobre as literaturas africanas ou a literatura negra ou sobre autores negros. E aí a gente descobre que esse universal ele diz respeito a um universal extremamente particular. A Feira de Frankfurt, o ano passado, demonstra o quão particular é esse universo", comenta o professor do Instituto de Letras da UFBA e escritor Henrique Freitas.
Para ele, no momento em que a seleção feita no Brasil levou essa representação da literatura nacional, é perceptível e emblemática a forma como é pensada a diversidade na literatura brasileira. "Temos escritores traduzidos para o alemão, com coletâneas que temos sucesso na Alemanha. Nem essa justificativa de que não tínhamos autores negros traduzidos para o alemão ela não é mais válida", afirma. Henrique Freitas ainda diz que discutir literatura negra não é discutir inclusão. “A gente precisa entender que a literatura negra ela traz contribuições decisivas para que a gente constitua, efetivamente, essa literatura brasileira em dever. Enquanto essa literatura negra e a produção literária indígena, em sua amplitude, não for contemplada nesse corpo que a gente chama de literatura brasileira, nós não teremos uma literatura brasileira”, defende.
Ari Sacramento diz que literatura canônica provoca silenciamento da literatura negra (Foto: Danutta Rodrigues/G1)Ari Sacramento diz que literatura canônica provoca
silenciamento da literatura negra
(Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Ari Sacramento ainda complementa e diz que quando afirmam que só existe ‘A Literatura’, o que existe na verdade é uma denúncia.
"Denúncia de silenciamento, mas também há uma enunciação de outras demandas que estão sendo expressas. Então não é um lugar de ressentimento, não é um lugar de ‘apequenamento’ do sujeito, é na verdade reclamar esse lugar e denunciar algumas formas de silenciamento da literatura, que a literatura canônica provoca”, conclui.

Ogum´s Toques
“Autores negros existem, sempre existiram e continuarão a existir”. Esse trecho escrito pela jornalista e autora Mel Adún está inserido na orelha da coletânea poética Ogum´s Toques Negros, que reúne textos literários dos escritores negros AlexRatts, Alex Simões, Ari Sacramento, Claudia Santos, Daniela Luciana Silva, Dú Oliveira, Éle Semog, Elizandra Souza, Gabriela Ramos, Guellwaar Adún, Henrique Freitas, José Carlos Limeira, Júlia Couto, Lia Vieira, Lívia Natália, Mel Adún, Miriam Alves, Say Adinkra e Silvio Roberto. Outros tantos autores compõem o corpus da literatura negra como Lima Barreto, Conceição Evaristo, Machado de Assis, Maria Firmina dos Reis, Oswaldo de Camargo, Luiz da Gama, Paulo Lins, Cristiane Sobral, Lande Onawale, Nelson Maka, Rita Santana, Tom Correia, Carolina de Jesus, Antônio Diniz da Cruz e Silva, entre tantos outros.
Guellwaar Adún e Cristian Sales em conversa com o G1 (Foto: Danutta Rodrigues/G1)Guellwaar Adún e Cristian Sales em conversa com
o G1 (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
O coletivo literário baiano, além de destinar espaço às discussões a respeito da literatura negra nas redes sociais, também dá visibilidade às produções literárias dos escritores negros. Atualmente o grupo faz uma campanha internacional de crowdfunding para publicar dez livros e consolidar a editora Ogum's Toques.
Em dezembro, o coletivo irá promover, de 15 a 20, a segunda Primavera Literária, em Salvador, que vai contemplar dois eventos integrados: o seminário ligado à Universidade Federal da Bahia (UFBA) chamado Áfricas e Negritudes, em que intelectuais que pensam a literatura negra no Brasil e fora do Brasil; e a segunda semana literária da Ogum´s Toques. Para saber mais sobre o coletivo, clique aqui.
http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/11/literatura-associada-ao-adjetivo-negro-incomoda-diz-editor-de-coletivo.html

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