Esta semana, a edição do Brasileiros Viajantes volta à quinta-feira e com um contributo diferente do habitual – Caroline Dutra, brasileira que viveu três anos no Oriente Médio, vem esclarecer alguns dos mitos que o mundo ocidental continua cultivando com relação a esta região e, principalmente, acerca de um país em especial: o Irã. Um testemunho que não deve perder, porque melhor do que ficar com as ideias que passam para este lado, é escutar quem conheceu o lado de lá.
Sem dúvida, o Irã, ou Pérsia, como antigamente era conhecido, é o país mais injustiçado pela opinião pública. Confesso que antes de conhecer este país, eu não tinha nada de bom para falar. No entanto, depois de ter morado três anos em Teerã, de ter conhecido verdadeiramente o país e seu povo, hoje vejo como a maioria das pessoas (até mesmo jornalistas) pouco sabem sobre o assunto. É como se todos os problemas de diferentes países do Oriente Médio tivessem agora a mesma origem (o Irã) e que o posicionamento de seu governo refletisse a opinião do povo iraniano.
Dentre os muitos paradigmas e preconceitos, elenquei abaixo os que mais frequentemente ouvi e destaquei o país de onde verdadeiramente veio o mito. Dá uma olhada:
1. As mulheres vestem burca
Não há mulheres vestindo burcas! Provavelmente você nem saiba o que é uma burca. A burca é o traje que cobre totalmente a mulher (inclusive o rosto) e é usado majoritariamente no Afeganistão. Todas as mulheres no Irã mostram o rosto. A vestimenta no país varia entre: Chador (o mais conservador – um lençol negro jogado por cima de todo o corpo), Maghnaeh (é tipo um capuz, usado especialmente nas instituições de ensino e por trabalhadoras em estabelecimentos comerciais) e o simples lenço cobrindo parcialmente os cabelos, valendo inclusive estampas coloridas. Minha roupa do dia a dia era jeans, All-Star (super popular entre as iranianas), camisete longa e lenço. Sim: estrangeiras também devem usar algo sobre os cabelos.
2. É um lugar perigoso. Há atentados terroristas.
Em questão de segurança, o Irã muitas vezes é associado à situação dos países que fazem fronteira com ele, tais como Paquistão, Afeganistão e especialmente Iraque. No entanto, o país é dos mais seguros em que estive. Pessoas contam dinheiro na rua, joalherias abrem sem ter seguranças e bancos não tem porta com detector de metais. Eu andava sozinha nas ruas, dia ou noite, e nunca tive qualquer problema no país.
3. As pessoas andam em camelos
Os únicos camelos que eu vi foram uns decorados com “pompons” para turistas pagarem para andarem neles. Além disso, há criação de camelos, mais para consumo da carne do que para transporte de cargas. Querendo ver camelos do seu imaginário, recomendo ir ao Rajastão, na Índia.
4. O clima é sempre muito quente
O calor forte restringe-se aos 3 meses do verão. As 4 estações do ano são bem marcantes, com uma primavera de muitas flores, um outono com plátanos em vários tons laranja e um inverno com frio e neve. Acredite: há várias estações de esqui no Irã e os preços são atrativos comparados com outras estações de esqui pelo mundo.
Uma estação de esqui no Irã. Na foto, três brasileiras e o treinador, iraniano, vestindo a camiseta da CBF.
5. Não há marcas/produtos internacionais disponíveis
Diferente do que se imagina a respeito das sanções aplicadas ao Irã, o cidadão local tem acesso a quase tudo, inclusive marcas americanas, como Coca-Cola (nas versões normal, diet e zero) e Pepsi. Há até lojas oficiais de marcas internacionais, como por exemplo: Adidas, Nike, Salomon, Mango, Esprit, Geox, Benetton, WMF, LG, Samsung, Porche, Crocks, etc, e até marcas brasileiras como Tramontina e Yogoberry. No entanto, não existem franquias americanas de alimentos, tais como McDonalds, Pizza Hut e Burguer King. Nesta onda de marcas internacionais, a grande sensação de Teerã foi a inauguração da loja Victoria Secrets em uma das avenidas mais importantes da capital.
6. Só a religião islâmica é permitida
A constituição iraniana reconhece 3 outras religiões monoteístas além do islamismo: o cristianismo, o judaísmo e o zoroastrismo. São religiões respeitadas, porém, consideradas arcaicas, já que Deus teria enviado, através de Maomé, a versão “mais recente” de seus ensinamentos. Maomé e o Alcorão são posteriores à Bíblia, e portanto seriam a palavra final de Deus. Já as religiões que surgiram posteriores a Maomé, como a Bahai, não são bem aceitas, possivelmente por colocarem o islamismo na mesma condição de “desatualizada”.
7. Os iranianos são árabes
Este erro é bastante comum entre os ocidentais e motivo de grande ofensa para os persas. Possivelmente a confusão surge pelo fato de árabes e persas seguirem a mesma religião, de grande parte dos países árabes estar no Oriente médio e pelo nome Irã e Iraque ter uma sonoridade parecida. No entanto, os iranianos não vêem motivos para este equívoco, e proferem uma lista interminável de diferenças que os distinguem como um povo único: possuem uma cultura milenar, possuem famosos filósofos e poetas, são originários da raça ariana, têm uma língua própria (com origem indo-européia), culinária distinta, etc.
8. Os iranianos falam árabe
Apesar do alfabeto ser praticamente igual ao árabe (há algumas letras que são exceção), a língua e a gramática são totalmente diferentes. Um exemplo interessante é o fato da língua árabe não ter o som do “p”, que na língua farsi (ou persa) é comum.
9. O país vive uma completa ditadura
Cargos políticos como presidente ou parlamentares são eleitos por voto direto. Homens e mulheres podem votar, sem restrições. No entanto, acima do presidente está o Líder Supremo Religioso, que tem o poder de vetar em última instância eventuais medidas que desagradem a religião islâmica. O Líder Supremo também pré-aprova os candidatos que disputarão as eleições.
10. As mulheres não podem dirigir
Este é um mito adquirido da Arábia Saudita, único país islâmico que não permite que mulheres dirijam. No Irã, mulheres dirigem normalmente e, assim como no Brasil, há piadinhas machistas quanto a “habilidade” delas no comando de um carro.
11. As mulheres não têm direitos
Muito da fama das supostas restrições impostas às mulheres no Irã vem da situação delas na Arábia Saudita. No Irã, mulheres podem votar, trabalhar, serem eleitas a cargos políticos, dirigir, estudar (inclusive são maioria nas universidades). Porém, no Irã, ainda não podem: cantar sozinhas na frente de homens (exceto coros), sair do país sem a autorização do pai ou marido, serem eleitas para presidente e serem juízas. Em juízo, o testemunho de uma mulher vale metade do do homem.
12. Homens casam com várias mulheres
Pelo islamismo, um homem pode ter até quatro esposas simultaneamente, desde que possa sustentá-las decentemente e que as trate igualmente. Como o Irã é uma república islâmica, a regra também vale para o país, PORÉM, a primeira mulher deve concordar com tal decisão. Em vilas remotas isso pode até ser encontrado, mas nas cidades, as famílias são muito matriarcais e mulheres estão no comando. Não conheci mulher alguma que tenha aceitado a proposta do marido casar com mais mulheres. Os homens nem tentam…
13. Não há festas
De fato não há discotecas, mas as festas ocorrem nas casas, escondidas, com muito som, bebidas e, acreditem, roupas minúsculas (mini saias e tops são os preferidos das iranianas)! Até para uma brasileira os modelitos espantam!
14. Os iranianos não gostam de estrangeiros
Super errado pensar isso! Os iranianos são um dos povos mais hospitaleiros que existem e adoram receber estrangeiros. Não é difícil acontecer de um iraniano convidar um desconhecido turista para tomar um chá em sua casa. E não estranhe também se eles quiserem trocar telefones, e-mails e tirar fotos com você.
15. Não há Facebook
Oficialmente não há mesmo. Sites como Facebook, Twiter, blogs são censurados. No entanto, com as tecnologias de VPN e anti-filtros, todos têm acesso e perfis nestes sites. Muitos estabelecimentos comerciais (lojas e restaurantes), ao invés de terem um endereço web na internet, preferem ter um perfil no Facebook (grátis e fácil de usar).
16. Não possuem tecnologias avançadas
Especialmente na área de nanotecnologia e nuclear, o Irã tem tecnologia superior à brasileira. O número de engenheiros / habitantes formados no Irã é um dos mais altos do mundo.
Caroline relata suas experiências no exterior no blog: www.coordenadaxy.com.
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