quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Como você lida com a religião em casa?

A educação familiar diz respeito aos valores que os pais passam aos filhos, o que inclui conceitos de religiosidade e espiritualidade

Educação religiosa
É uma atribuição natural dos pais funcionarem como parâmetros para os filhos. Na maioria das vezes, são os valores e conceitos aceitos pelos adultos que norteiam crianças e adolescentes - e isso se aplica a todas as áreas da vida, incluindo religião.
Conduzir o processo de educação religiosa e/ou espiritual entre os filhos significa também ensiná-los a refletir sobre o sentido da vida.
“As religiões, em suas origens, tratam da fragilidade humana, apontam compreensões do sofrimento, falam do bem e do mal como elementos do humano, enfim, trazem um referencial capaz de fundamentar a criança, o adolescente, o jovem e o adulto para o enfrentamento de suas questões existenciais”, argumenta Viviane Cristina Cândido, mestre em Educação e doutora em Ciências da Religião, especialista em estudo da religião na escola.
Assim como quase tudo relacionado à educação dos filhos, as dúvidas também surgem para os pais quando o assunto é religiosidade. Na casa da aposentada Maristela Mathias Leite, 54 anos, esse processo foi conduzido sempre com muito respeito. “Minha mãe, dona Odila, seguia o espiritismo. Já eu me encontrei na religião evangélica”, diz.
A mistura de crenças das filhas também comprova isso: “A Karol, 27 anos, é ateia; acredita mesmo é na ciência. A Rafa, 23, segue a minha religião e é ainda mais assídua do que eu nas atividades da igreja. Já a Laura, 14, começou a demonstrar interesse pelo budismo e já pratica yoga”, conta.
Questionada sobre a educação religiosa dada por ela, Maristela responde: “Enquanto eram crianças, eu as guiei de acordo com os princípios bíblicos que eu acredito, mas nunca impondo nada. Acho que o importante é respeitar a decisão dos filhos, até mesmo os menores. Isso para mim é educar religiosamente”.
Para esclarecer algumas dúvidas frequentes de mães e pais, recorremos à ajuda de Viviane e também de Sérgio Junqueira, pedagogo, professor e pesquisador, doutor em Ciências da Educação e pós-doutor e livre-docente em Ciências da Religião.
1. A idade certa
Quando um passarinho morre e dizemos para a criança “ele foi para o céu”, já estamos introduzindo uma informação social religiosa - a partir da ótica de alguma tradição.
“A experiência religiosa de uma criança ocorre a partir da experiência da família. Ela é materializada por meio de falas, pequenos ritos, orações, símbolos, imagens, cantos... Isso poderá ocorrer a qualquer momento de sua vida, com estratégias adequadas às diferentes etapas de seu desenvolvimento”, afirma Sérgio.
Para Viviane, a educação religiosa tem um aspecto formal podendo (e devendo) acontecer em casa e também na escola. “Ela diz respeito a educar para o diálogo, a tolerância, a aceitação e convivência das diferenças, a compreensão de que há diferentes formas de crer, bem como crença nas mais diferentes coisas”, defende.
De acordo com a especialista, a educação religiosa abre espaço para o “viver junto”, seja em família, na escola ou na sociedade. “Por isso, sempre é tempo de ser iniciada e, quanto mais cedo, melhor!”, acredita.
2. O incentivo da família
Se o casal (ou um dos pais) considera importante participar de atividades religiosas na igreja, deve encorajar os filhos para tal. A questão é: como fazer isso? “Não há incentivo ou motivação verdadeira a não ser pelo exemplo. Com crianças e, principalmente, com o adolescente, não adianta mandar fazer se não fizer”, diz Viviane.
Sérgio Junqueira reforça: “O que mais dá significatividade é o discurso junto à prática. A questão não é proliferar ritos ou práticas esvaziadas, mas mostrar coerência entre o que a família acredita e propõe e sua ação entre os membros e os outros. Sem coerência, não existe sustentação no incentivo”, analisa o especialista.
3. O papel da escola
A questão religiosa faz parte da sociedade e, portanto, deve se fazer presente também na sala de aula.
“Não se trata de acreditar que é preciso ser religioso para ser ético, moral ou viver bem, mas entender que a religião faz parte da vida das pessoas. Nesse sentido, a educação religiosa deve ser complementada pelo estudo das religiões na escola, já que este é um espaço, um tempo de relações”, defende Viviane.
Para a especialista, esse estudo deveria dedicar-se ao debate de temas, como o pecado, a morte, o mal, a ética, os valores, a sexualidade, considerando a experiência pessoal dos alunos. Ao mesmo tempo, precisaria trazer o relato das formas como as religiões olham para essas questões.
4. A escola x os pais
Em muitos estabelecimentos educacionais, o Ensino Religioso (ER) é tratado como área de conhecimento e não objetiva conduzir o aluno à adesão a uma determinada religião. No entanto, existem escolas confessionais explícitas, ou seja, que professa algum tipo de crença.
“Quando os pais matriculam os filhos em uma escola assim, estão aceitando toda a dinâmica do lugar. Por este motivo, é muito importante a família procurar informação sobre as práticas religiosas de fé – como participação em cerimônias, cultos e missas – das quais os estudantes terão que participar”, alerta Junqueira.
Se as práticas fazem parte da ideologia da escola, a família está contratando todo o conjunto, portanto, é importante avaliar se você realmente deve manter seu filho na instituição, caso a mesma tenha uma linha religiosa diferente da praticada em casa.

5. Influências externas
Ao falarmos de religião em um país plural como o Brasil, precisamos, obrigatoriamente, considerar todas as influências externas que os filhos recebem além dos conceitos transferidos pelos pais.
“A questão religiosa está na sociedade; as crianças terão acesso a essas informações ao passear na rua e ver igrejas, na televisão, no encontro com os colegas. Caberá à família escolher como o tema será tratado, mas sempre de forma responsável, vinculado à convivência e à alteridade”, argumenta Sérgio.
O elemento religioso, ao mesmo tempo em que é construído individualmente, é um aspecto social coletivo. “Assim como acontece com temas étnico-raciais ou com a homoafetividade, caberá à família e aos seus membros optarem por dialogar ou invisibilizar a questão”, complementa o pesquisador.
6. Religiosidade dentro de casa
Mesmo que a família não vá à igreja ou não pertença a uma determinada religião, é possível existir a necessidade de viver – e ajudar seus filhos a viverem – uma experiência religiosa.
O chamado “católico não praticante”, por exemplo, pode desejar passar uma espiritualidade católica ou cristã para o filho, mesmo sem frequentar os cultos dessa tradição.
Diante disso, os ensinamentos devem ser exercitados dentro de casa. “Orações lindas, que remetem a uma verdadeira experiência religiosa na diversidade das tradições, são acessíveis a um clique e podem ser, inclusive, fontes de conhecimento das diferentes práticas religiosas”, sugere a especialista.
7. E se pai e mãe seguem religiões diferentes?
É preciso lembrar, antes de qualquer coisa, que nenhuma crença quer ou deve atrapalhar as relações familiares. “Uma família em que seus membros são de diferentes religiões poderia ser exemplo de convivência na diferença, de modo que a conduta ideal seria o respeito e a superação do desejo de converter o outro”, orienta Cândido.
Sempre dialogar e dar plena liberdade para que os filhos conheçam as práticas e o conteúdo de todas as tradições é o comportamento mais adequado. “Nossa sociedade é pluralista. A criança deve aprender a lidar com uma sociedade diversa”, enxerga Junqueira.
“Viver a espiritualidade e não impor a própria religião pode ser um bom caminho!”, arremata Viviane.
8. Pais ateus
Há, ainda, casos em que os pais não acreditam na existência de Deus ou qualquer outra divindade. “O fundamental é cuidar para não promover um combate aos indivíduos que têm propostas diferenciadas, ou seja, uma perseguição religiosa”, alerta Sérgio.
Em casos assim, geralmente os filhos são preparados para que compreendam – e sigam – a opção dos pais não crentes, o que é algo natural. Porém, é impossível que os responsáveis neguem outras opções a serem seguidas, mesmo porque a criança aprenderá a partir da convivência com outros grupos.
Chegará uma idade em que os filhos assumirão a responsabilidade de suas escolhas dentro de um universo de possibilidades – e os pais devem respeitar isso.
9. Filhos contrários à religião dos pais
Participar de grupos religiosos deve ser sempre uma opção individual. Filhos que se mostram contrários às práticas dos pais, muitas vezes o fazem por não encontrarem coerência nesses grupos.
A família deve ter maturidade e condições de dialogar e, especialmente, respeitar os diferentes momentos dos filhos para que essas situações sejam enfrentadas com tranquilidade, sem tensão.
“O desafio para os pais é exatamente aceitar nossa incapacidade de fazer com que os filhos façam o que queremos e acreditem no que acreditamos”, avalia Viviane.
O melhor que os adultos podem fazer é acolher e ajudar os mais novos com bons exemplos na conduta familiar. Também devem refletir sobre a opção do filho. “Trata-se de descobrir juntos, pais e filhos, como conviver em família apesar das diferenças”, conclui a especialista.
(Fotos: Getty Images)
http://disneybabble.uol.com.br/br/rede-babble/comportamento/como-voc%C3%AA-lida-com-religi%C3%A3o-em-casa

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