domingo, 9 de março de 2014

Alteridade/ Harmonia das diferenças



“Tolerar a existência do outro,
E permitir que ele seja diferente,
Ainda é muito pouco.
Quando se tolera,
Apenas se concede
E essa não é uma relação de igualdade,
Mas de superioridade de um sobre o outro.
Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,
Da qual estivessem excluídas
A tolerância e a intolerância.”
(José Saramago)
 



ALTERIDADE

A palavra Alteridade, que tem o prefixo latino alter, tem como significado alguém colocar-se no lugar do outro numa relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação e disposição para dialogar com o outro. A prática da alteridade se conecta aos relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais religiosos, científicos, étnicos etc.

Isso é alteridade: o estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes, a capacidade de conviver bem com a diferença da qual o "outro" é portador.
A ética da alteridade consiste basicamente em saber lidar com o "outro", entendido aqui não apenas como o próximo ou outra pessoa, mas, além disso, como o diferente, o oposto, o distinto, o incomum ao mundo dos nossos sentidos pessoais, o desigual, que na sua realidade deve ser respeitado como é e como está, sem indiferença ou descaso, repulsa ou exclusão, em razão de suas particularidades.

Conviver com os contrários e aprender a amá-los na sua diversidade.

A inclusão, em nome do Amor, é ação moral para nossa convivência, sem o que não faremos a dolorosa e imprescindível cirurgia de extirpação da egolatria, tão comum a todos nós - almas com pequenas aquisições nos valores essenciais da espiritualização.
Diferenças não são defeitos ou álibis para que decretemos o sectarismo e a indiferença, somente porque não compreendemos o papel dos diferentes na engrenagem da vida, executando uma "missão específica" que, quase sempre, só conseguiremos entender quando, decididamente, vencermos as etapas do processo de construção da alteridade.



Etapas na caracterização do processo Alteritário

Conhecer a diferença

É a fase de acolhimento do "outro", despindo-se de preconceitos e "estereótipos éticos" pré-formulados, guardando abertura de afeto ao diferente e à sua diferença.
Compreender a diferença

Criação de avaliações parciais, não definitivas, que favoreçam a análise desse "outro", buscando entender-lhe as razões, estudar-lhe os motivos até penetrarmos na essência de seu "ser", compreendendo-o pela apreensão do "sentido" que ele tem para Deus, seu papel cooperativo no universo.

Aprender com a diferença

É uma fase que une e permite acessibilidade mútua, receptividade aos sentidos do "outro"; propicia uma relação de aprendizado e o elastecimento de noções sobre como a diversidade do outro pode nos ensinar algo, buscando, se possível, aprender a amá-lo na sua particularidade.

Compreender as etapas da alteridade nos mecanismos afetivos, sob o prisma do progresso espiritual, é fundamental para procedermos a uma autoavaliação de nossa posição íntima.

Sem desejo de melhora não existe motivação para quaisquer empreendimentos de renovação. Sem a etapa da interiorização não se deflagra o conhecimento fidedigno do trabalho a ser efetuado na intimidade de si mesmo.
E a transformação é o resultado e o objetivo para o qual todos caminhamos na evolução.
Esse dinamismo interior é processual e ninguém estagia em uma ou outra etapa separadamente.

Desejo de melhora

Período em que nos ocupamos pelas ações no bem.
Etapa marcada pelo conhecimento espiritual criando conflitos íntimos, impulsionando novos posicionamentos.
A necessidade de mudança será proporcional ao nível de maturidade de cada criatura.
Nessa fase o outro ainda é uma referência de incômodo, disputa e ameaça, quase um adversário para quem são dirigidas cobranças não suportáveis a si mesmo. Tal estado psicológico instiga o julgamento inflexível através da análise para fora.
O principal traço afetivo é a simpatia pelos iguais, aqueles que pensam conforme pensamos, que esposam pontos de vista idênticos.
Embora seja um instante de muita “convulsão” nas metas e propósitos de vida, é quando o homem se define por uma nova opção de melhora com base na vida futura, na imortalidade e na ascensão.
O convite ético do Espiritismo chega-lhe como consolo e também um abalo nas convicções.
Mesmo o próximo não sendo ainda respeitado na sua diferença, trata-se do início da morte da indiferença.
Apesar de não aceitar os diferentes, já se incomoda com eles, querendo modificá-los: um efetivo sinal de mutação na forma de sentir.
Afetivamente não é uma postura ajustada, mas é uma estrada que se abre para superar a tendência de marginalização e impulso para repensarmos a nossa individualidade, até alcançarmos a interiorização.

Interiorização

Se na fase anterior a prioridade era a ação, aqui o aprendiz das questões do espírito volta-se para estudar suas reações íntimas.
O conhecimento sai da esfera puramente intelectiva para o campo das reflexões sentidas, motivando a busca de estados mentais de harmonia.
O “outro” promove-se à condição de espelho das necessidades de nosso aperfeiçoamento, uma extensão de nós próprios que deflagra o processo educativo; afetivamente toma a conotação daquele que nos leva a novos e mais elevados sentimentos.
Esse é o estado psicológico da busca de entendimento e do autoconhecimento, uma análise para dentro. Há uma dilatação da sensibilidade para com a diferença alheia, seguida de mais intensa aceitação, disposição para o perdão e a concórdia.
Começa-se assim a compreensão da importância que tem a diversidade de aptidões.
O desigual passa a ser visto como alguém importante para o nosso crescimento pessoal.
A maleabilidade, a assertividade, a empatia e outras habilidades emocionais passam a ser usadas com mais intensidade. Todas essas posturas sedimentam valores novos no rumo da transformação.

Transformação

Os valores interiorizados atingem o campo dos sentimentos, é a mudança real.
O outro é alteridade, distinção; é o estado psicológico do amor em que a diferença do outro passa ser incondicionalmente aprovada e, mais que isso, compreendida como indispensável lição de complementaridade.
Nessa etapa aprende-se não só a aceitar os diferentes como se consegue aprender com eles, amá-los na sua maneira de ser.
É a etapa da felicidade. O outro jamais poderá ser motivo para decepções e mágoas. Ainda que as tenhamos saberemos como lidar bem com essas emoções.
A autonomia e a liberdade não permitem amarras e dependência, opressão e sentimentalismo. Aprende-se o auto-amor e por conseqüência ama-se sem sofrimento, sem sacrifícios; ama-se porque o amor é preenchedor e isso, definitivamente, basta.
Jesus, na Parábola do Semeador, quando fala dos vários terrenos em que foram distribuídas as sementes, deixa-nos um tratado sobre a alteridade e suas etapas.
Os solos da narrativa correspondem aos níveis evolutivos em que cada qual dará frutos, conforme suas possibilidades.


HARMONIA DAS DIFERENÇAS

Você já pensou que o nosso grande problema, nas relações pessoais, é que desejamos que os outros sejam iguais a nós?

Em se falando de amigos, desejamos que eles gostem exatamente do que gostamos, que apreciem o mesmo gênero de filmes e música que constituem o nosso prazer.

No âmbito familiar, prezaríamos que todos os componentes da família fossem ordeiros, organizados e disciplinados como nós.

No ambiente de trabalho, reclamamos dos que deixam a cadeira fora do lugar, papel espalhado sobre a mesa e que derramam café, quando se servem.

Dizemos que são relaxados e que é muito difícil conviver com pessoas tão diferentes de nós mesmos. Por vezes, chegamos às raias da infelicidade, por essas questões.


E isso nos recorda da história de um menino chamado Pedro.

Ele tinha algumas dificuldades muito próprias.
Por exemplo, quando tentava desenhar uma linha reta, ela saía toda torta.
Quando todos à sua volta olhavam para cima, ele olhava para baixo.
Ficava olhando para as formigas, os caracóis, em sua marcha lenta, as florzinhas do caminho.
Se ele achava que ia fazer um dia lindo e ensolarado, chovia.
E lá se ia por água abaixo, todo o piquenique programado.
Um dia, de manhã bem cedo, quando Pedro estava andando de costas contra o vento, ele deu um encontrão em uma menina, e descobriu que ela se chamava Tina.
E tudo o que ela fazia era certinho.
Ela nunca amarrava os cordões de seus sapatos de forma incorreta nem virava o pão com a manteiga para baixo.
Ela sempre se lembrava do guarda-chuva e até sabia escrever o seu nome direito.
Pedro ficava encantado com tudo que Tina fazia.
Foi ela que lhe mostrou a diferença entre direito e esquerdo.
Entre a frente e as costas.
Um dia, eles resolveram construir uma casa na árvore.
Tina fez um desenho para que a casa ficasse bem firme em cima da árvore.
Pedro juntou uma porção de coisas para enfeitar a casa.
Os dois acharam tudo muito engraçado.
A casa ficou linda, embora as trapalhadas de Pedro.Bem no fundo, Tina gostaria que tudo que ela fizesse não fosse tão perfeito.
Ela gostava da forma de Pedro viver e ver a vida.
Então Pedro lhe arranjou um casaco e um chapéu que não combinavam.
E toda vez que brincavam, Tina colocava o chapéu e o casaco, para ficar mais parecida com Pedro.
Depois, Pedro ensinou Tina a andar de costas e a dar cambalhotas.
Juntos, rolaram morro abaixo.
E juntos aprenderam a fazer aviões de papel e a fazê-los voar para muito longe.
Um com o outro, aprenderam a ser amigos até debaixo d’água.
E para sempre.
Eles aprenderam que o delicioso em um relacionamento é harmonizar as diferenças.
Aprenderam que as diferenças são importantes, porque o que um não sabe, o outro ensina. Aquilo que é difícil para um, pode ser feito ou ensinado pelo outro.
É assim que se cresce no mundo. Por causa das grandes diferenças entre as criaturas que o habitam.
.

Conclusão

A sabedoria divina colocou as pessoas no mundo, com tendências e gostos diferentes umas das outras.Também em níveis culturais diversos e degraus evolutivos diferentes.
Tudo para nos ensinar que o grande segredo do progresso está exatamente em aprendermos uns com os outros, a trocar experiências e valorizar as diferenças.
“Olhe para os dedos de sua mão. Eles são diferentes. Ainda bem. Exatamente por serem diferentes eles são harmoniosos quando vistos em conjunto. Já imaginou se eles fossem todos iguais?Certamente teríamos dificuldade de fazer o que fazemos de maneira tão natural. A humanidade, pode-se dizer, é semelhante a uma mão. Somos diferentes numa família. Somos diferentes numa região. Somos diferentes numa nação. A diferença é inerente, portanto, à natureza humana. Que bom que assim seja.”

Fonte de pesquisa:

Wanderley S. de Oliveira Livro “Mereça Ser Feliz”

Wanderley Soares de OliveiraLivro "Laços de Afeto"publicada Editora INEDE.

base no livro Pedro e Tina, de autoria de Stephen Michael King, Ed. Brinquebook

Nenhum comentário:

Postar um comentário