Por Blog Acesso
No Rio Grande do Sul, está em discussão a Lei Griô estadual, que, a exemplo da lei nacional, também pretende a valorização e a preservação dos mestres da tradição oral. Para o coordenador da Política de Pontos de Cultura da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, João Pontes, a lei é, acima de tudo, o reconhecimento de que a tradição oral é um saber historicamente construído e que as formas de saberes populares se construíram a partir dessa dinâmica. “Trata-se de todo um conjunto de construções, signos e significados que, em muitos contextos, foram responsáveis por possibilitar formas de organização alternativas à própria perspectiva da dominação das culturas hegemônicas. Muito do que nós somos enquanto sociedade, enquanto grupos culturais, vem desse conjunto de saberes construídos e compartilhados pelos grupos populares”, afirmou o coordenador.
“Além disso, uma política pública tal a que está previsto na Lei Griô nos possibilita também um repensar sobre a perspectiva da educação formal. Vivemos uma separação institucional entre Educação e Cultura que, por um lado, reproduz uma Educação palpada numa lógica um tanto quanto positivista, uma tentativa de descolamento do contexto cultural, em que pese a Educação também ser cultural. Por outro lado, temos políticas de Cultura que não se compreendem enquanto processos educativos e pedagógicos. Nesse contexto e dentro desses objetivos que a gente discute a valorização e o reconhecimento da tradição oral”, afirmou João.
Lilian Pacheco, do Ponto de Cultura Grãos de Luz e Griô, de Lençóis, na Bahia, explica que a Lei Griô do Rio Grande do Sul é a mesma proposta em tramitação no congresso nacional, mas já estadualizada. “Isso é muito bom porque quando a lei nacional for votada, uma alimenta a outra em termos de mobilização e em termos de tramitação. A Paraíba também está dando entrada na sua Lei Griô”, contou.
Segundo Lilian, antes da Lei Griô alguns estados já contavam com a Lei dos Mestres. “Mas ela é mais restrita, nela não existe a proposta dialógica com a educação e é uma lei mais assistencial, não tem essa proposta de fortalecimento da transmissão oral”, disse ao explicar que, para a formulação da Lei Griô, foi feito um estudo das leis já existentes no Brasil e também em outros países. “A gente fundamentou a lei nessas experiências para mostrar que não é uma assistência que precisa ser feita, é preciso ser feita a inclusão social do mestre e da sua comunidade e para isso é preciso um diálogo com as organizações e instituições locais, que é o que propõe a Lei Griô”, afirmou.
O termo griô tem origem em uma figura da tradição oral africana responsável pela transmissão do conhecimento da comunidade. “Quando a gente traz esse nome como referência, como simbologia, não significa que a pessoa tenha que ser algum tipo específico de mestre, é apenas uma simbologia para que se valorize a tradição oral como foi valorizada, por exemplo, no Mali, que é de onde vem essa palavra que nós trouxemos”, explicou Lilian. “Mas o griô é o que ele é em cada comunidade, em cada tradição, ele é a figura responsável pela transmissão oral e por um saber de transmissão oral. Ele está em diversas formas de expressão e de manifestação no nosso país, um cordelista, uma mãe de santo, um tocador de zabumba, um contador de histórias, um pajé. São vários lugares socioculturais que nós temos no Brasil que são ocupados pela figura responsável por manter a sabedoria, cuidar daquela sabedoria e transmiti-la oralmente, passar de geração em geração. O conceito de griô é isso, ele é o que ele é na sua comunidade, no lugar tradicional que ele ocupa”, disse.
A Lei Griô traz também a figura do griô aprendiz, pessoa que, junto ao mestre, tem a responsabilidade de levar a transmissão da cultura oral às escolas da educação formal. “É uma pessoa da comunidade que vem de diversas áreas, da antropologia, da educação, da própria militância cultural, das artes. São pessoas de diversas áreas e linguagens que estão nessa caminhada de aprender com os griôs e mestres e ao mesmo tempo de levar isso para as escolas, de fazer essa ponte entre a tradição oral e a educação formal”, explicou Lilian.
O griô aprendiz aprende com o griô e o leva às escolas, ou leva os estudantes, junto com o educador, para conhecer a oficina do griô e sua tradição. “Isso faz a sala de aula crescer, se ampliar e ir para a comunidade, paras as festas, para a casa de farinha, até o cantador. O griô aprendiz vai construir essa didática de diálogo entre um saber e o outro”, disse Lilian.
O processo se dá através de um projeto pedagógico criado em parceria com as escolas e com a comunidade, conforme também está previsto pela Lei Griô. “Praticando essa mediação, a gente foi criando uma pedagogia, a pedagogia griô. Ela se fundamenta nas próprias práticas da tradição oral que a gente aprendeu e em algumas áreas da educação que são revolucionárias, dialógicas, como Paulo Freire, como a educação biocêntrica, a educação para as relações étnico-raciais positivas de Vanda Machado. São referências que a gente trabalha para poder criar uma base pedagógica eficiente, encantadora, mobilizadora, dialógica e que contemple a oralidade e a corporalidade, para ser coerente com as tradições”, contou Lilian.
Bernardo Vianna / blog Acesso
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